O Bicentenário da Imigração Alemã estará em evidência em Arroio do Meio no dia 26 de março. Promovido pelo Projeto 2024 e entidades vinculadas – ACMA e Círculo de Amigos de Boppard – o Seminário Reflexos de 200 Anos de Imigração Alemã traz ao município renomados pesquisadores e historiadores que vão abordar vários aspectos da imigração e seus impactos e desdobramentos na sociedade. A programação será realizada no Seminário Sagrado Coração de Jesus e é gratuita e aberta à comunidade em geral.
O evento, que inicia pela manhã, terá palestras, colóquios e diversas reflexões. Estão confirmados como painelistas, palestrantes e entrevistados o presidente da Comissão Oficial do Bicentenário da Imigração Alemã no Estado, Dr. Rafael Gessinger, o Dr. Jorge Luiz da Cunha, a Dra. Lissi Bender, a Dra. Isabel Arend, o Ms. Decio Aloisio Schauren, o Dr. René Ernaini Gertz e o Dr. Peter Höller, que é da Alemanha.
O encerramento será à noite com o lançamento do livro ‘Arroio do Meio canta em Alemão’, que registra a memória dos sete corais do município – cinco associativos, um vinculado à Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e outro ao Município. A obra foi organizada por José Eduardo Ely, que coordena o Projeto 2024 e também preside a Associação Cultural e Musical de Arroio do Meio (ACMA). A publicação, que além de relatar a história dos corais, traz cantos em alemão – com partituras e tradução – teve os custos de impressão custeados pela Câmara de Vereadores.
Um ano de preparativos
O Seminário vem sendo projetado desde o ano passado e, de acordo com Eduardo, deve atrair participantes não só do Vale do Taquari, mas também de outras regiões, em especial de municípios que igualmente preparam festejos alusivos ao Bicentenário. Ele observa que é um evento para toda a comunidade e não visa exaltar ou diminuir etnias, mas aproveitar a data dos 200 anos da imigração para falar acerca da contribuição dos imigrantes alemães para o desenvolvimento do Estado.
A presidente do Círculo de Amigos de Boppard, Eneida Führ Kuhn, destaca que a data do Seminário foi pensada para valorizar a presença do Dr. Peter Höhler, que é alemão e terá muitas contribuições a fazer. Dr. Peter já está no Brasil, estudando português, e chega ao Vale do Taquari nos próximos dias para aprofundar suas pesquisas sobre a família Brod, cujo ponto de partida é o livro de Roque Bersch e Ruy Bersch. O catálogo resultante será exposto de 22 de setembro a 22 de dezembro em Boppard.
Spuren – Assim como o Brasil celebra a imigração, a Alemanha lembra dos que emigraram, com vários eventos e programações. As quatro edições da publicação Spuren, que circula encartado no AT, serão expostas em Simmern, Kaiseslautern e Oberalm. O material está sendo levado para a Alemanha pelo pesquisador Klaus Cußler, que está no Vale do Taquari fazendo pesquisas.
Programação
8h às 8h30min – Recepção e inscrição
8h30min – Abertura – Projeto 2024
9h – Palestra de abertura
10h às 10h30min – Intervalo
10h30min às 12h – Colóquios 1
12h30min – Almoço (por adesão, no próprio local)
14h – Palestra de abertura
15h às 15h30min – Intervalo
15h30min às 17h – Colóquios 2
18h – Café de confraternização no local
19h – Lançamento do livro ‘Arroio do Meio canta em Alemão’
20h30min – Encerramento
O credenciamento pode ser realizado via eletrônica, cujo formulário pode ser solicitado pelo e-mail: projeto2024am@gmail.com. Contato: (51)99678-4347.
História
Para o historiador Jorge Luiz da Cunha, atividades relativas ao Bicentenário da Imigração Alemã vão contribuir para que novos conceitos sejam pensados e formulados
No ano em que é celebrado o Bicentenário da Imigração Alemã, a sociedade é convidada a olhar com mais atenção para este evento histórico que não apenas moldou o passado, mas tem repercussões significativas na atualidade. O professor, pesquisador e escritor Dr. Jorge Luiz da Cunha, destaca a importância de se compreender a relação entre passado e presente. “Nossas memórias e interpretações do passado nos fazem entender o presente, compreender o presente e agir socialmente no tempo presente”, afirma.
Em entrevista, ele fala sobre o contexto histórico que moldou os movimentos migratórios da Europa para o Brasil, em particular os da comunidade alemã e bem como como os preparativos para celebrar o Bicentenário da Imigração Alemã. Destaca que eventos como o Seminário Reflexos dos 200 Anos da Imigração Alemã em Arroio do Meio oferecem oportunidades para refletir criticamente sobre o legado cultural, social e histórico dos imigrantes alemães e seu impacto nas gerações.
AT – A emigração ocorre dentro de um contexto que envolve guerras, aspectos históricos, políticos, econômicos e sociais da Europa. Há 200 anos, o que se passava com a Europa e, em especial, com o território que hoje conhecemos como Alemanha, a ponto de fazer seu povo abandonar suas origens e buscar um recomeço do outro lado do Atlântico?
Dr. Jorge Luiz da Cunha – Na Europa, principalmente no seu território geográfico central, sob a liderança da Prússia, houve inúmeras guerras destinadas a apropriação política e econômica de territórios de língua germânica. Em 1871, liderados pela Prússia os Estados alemães se uniram e foi criado o Império Alemão.
Quando o Brasil declarou sua independência em 1822, sob os interesses políticos portugueses com D. Pedro I – o sucessor da Coroa Portuguesa –, após o período chamado de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, oficializado em 1815, o que vivenciamos em nosso país é um modelo de ação política extraordinariamente conservador. A justificativa para esta afirmação diz respeito a uma independência que se liga mais as práticas políticas europeias do que com as experiências de independência dos Estados Unidos e de inúmeras colônias espanholas através da criação de organizações políticas, sociais, culturais associadas com a criação de Repúblicas.
No Brasil independente a base política era exercida, e, portanto, pertencia a uma Aristocracia Latifundiária – proprietários de imensas extensões de terra exploradas com a utilização da mão de obras de africanos escravizados.
Quando na Europa se inicia o período da industrialização e, consequentemente, da urbanização, especialmente na Inglaterra, há uma campanha internacional para o fim da escravidão, principalmente no Brasil, pois escravizados não recebiam vencimentos monetários e não contribuíam para o consumo comercial.
Com o fim da servidão feudal no início do século XIX nos territórios prussianos, iniciou-se um processo acelerado de urbanização e de industrialização. Os servos feudais tornaram-se operários na primeira fase da história da indústria germânica. Contudo a exploração do seu trabalho não garantia a fuga da pobreza. Eu considero este um dos maiores estímulos a imigração alemã para o Brasil, especialmente diante da estratégia do governo brasileiro, logo após a independência em 1822, de oferecer terras gratuitas para imigrantes. Este fato levou a criação da primeira colônia alemã no Brasil Independente, São Leopoldo em 1824.
Os primeiros colonos imigrantes chegaram à nova colônia, que recebeu o nome de São Leopoldo, em 25 julho de 1824. Cada família recebeu, gratuitamente, um lote de 160.000 braças quadradas (cerca de 73 hectares). Ainda em 1824, foi escolhido o local para a povoação, junto da sede da antiga feitoria, logo depois transferido para a margem do Rio dos Sinos, no lugar chamado de Passo Geral, onde em 1828 começou a ser construída a primeira igreja católica e onde em 1833 foram demarcadas as primeiras quadras e lotes urbanos.
AT – Por que é importante entendermos este contexto do passado e qual sua relação com movimentos migratórios atuais?
Dr. Jorge Luiz da Cunha – Meu amor pela História, como uma importante ciência humana para nosso reconhecimento individual e coletivo, me estimulou as atividades junto da educação, pesquisa e extensão.
Eu considero a História uma ciência do presente! Nossas memórias e interpretações do passado nos fazem entender o presente, compreender o presente e agir socialmente no tempo presente.
Quando recuperamos nossas memórias do passado humano nos tornamos capazes de entender entre toda a realidade, principalmente os movimentos migratórios atuais. Um fato social e político no qual o Brasil está envolvido através de novas imigrações e o diálogo com a diversidade de culturas humanas.
AT – O senhor está diretamente envolvido nos preparativos para o Bicentenário da Imigração Alemã. Como percebe a mobilização para a data no Estado e nos municípios de colonização alemã? Qual a importância de celebrarmos os 200 anos da imigração?
Dr. Jorge Luiz da Cunha – Diante de nossa História, é fundamental que se organizem atividades que rememorem o início do processo imigratório de estrangeiros, alemães, no sul do Brasil, a partir de um conjunto de atividades que levem a festividades, pesquisas, educação, encontros e atividades sobre as migrações humanas de um modo geral.
Um conjunto de projetos sociais tematicamente específicos e atividades culturais, como os que estão previstas para nossa Arroio do Meio, vão contribuir para que novos conceitos sejam pensados e formulados e que tenham um efeito social, não meramente festivo ou autorreferenciado na construção de uma tradição – apenas folclórica – mas para a produção educativa de uma consciência de nossa humanidade individual e coletiva construída sobre a imigração e colonização alemã no Brasil.
AT – Arroio do Meio vai sediar, em 26 de março, o Seminário Reflexos dos 200 Anos da Imigração Alemã. O que as comunidades regional e estadual podem esperar deste grande evento?
Dr. Jorge Luiz da Cunha – A intenção é do evento ‘Reflexos dos 200 Anos da Imigração Alemã’ é criar possibilidades de reflexão crítica em todas as áreas do conhecimento. Uma estratégia fundamental para contribuir com a práxis político-cultural de uma memória e de uma história sobre a imigração germânica para o Brasil, iniciada em 1824.
Esta ação, aqui em Arroio do Meio, é fundamental para que se recupere, em todos os campos sociais, o papel da memória e da identidade cultural para a construção de uma unidade humana não discriminatória. Nossas memorações e comemorações nos ajudam a não apenas qualificar nossa cidade, município, mas igualmente nosso Vale do Rio Taquari, nosso Estado, nosso País e também o mundo.
AT – Do ponto de vista histórico, qual a importância de manter vivo esse amplo legado – desde a língua falada, costumes, organização social e comunitária – dos imigrantes? Como as futuras gerações podem se beneficiar deste legado?
Dr. Jorge Luiz da Cunha – Minha opinião a respeito desta questão é que nossa diversidade cultural – línguas faladas, costumes, organizações sociais e comunitárias – estimulam nossas memórias e produzem a consciência de que somos todas e todos resultados de nossa história e fundamentalmente da nossa diversidade humana.
Quanto as futuras gerações, mas igualmente as nossas gerações do tempo presente, é a qualidade da educação em todas as suas áreas disciplinares e científicas que nos garantem um futuro igualitário e humanista. Eu sempre defendi que a escola é fundamental, mas que temos que aprender com tudo através de nosso respeito, nosso diálogo e nossa defesa da diversidade e de suas contribuições culturais.
Por isso, admiro as práticas sociais e culturais de nossa Arroio do Meio, aqui no Vale do Taquari, onde nasci em Linha Constância (hoje chamada de Linha Marechal Deodoro).
Quem é Jorge Luiz da Cunha
Jorge Luiz da Cunha é doutor PhD, historiador e professor titular na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) desde 1996. Nascido em Roca Sales e criado em Lajeado, é graduado em Estudos Sociais, História e Geografia pelas Faculdades Integradas de Santa Cruz do Sul (FISC). Obteve seu mestrado em História Social do Brasil na Universidade Federal do Paraná e seu doutorado em Filosofia – História Medieval e Moderna/Contemporânea na Universidade de Hamburgo, Alemanha.
Sua dissertação de mestrado abordou os colonos alemães e a fumicultura no Rio Grande do Sul, enquanto sua tese de doutorado resultou no livro ‘Rio Grande do Sul und die deutsche Kolonization. Ein Beitrag zur Geschichte der deutsch-brasilianischen Auswanderung und der deutschen Siedlung in Südbrasilien zwischen 1824 und 1914’. Como autor, publicou diversos livros e artigos científicos sobre imigração e colonização, educação e direitos humanos, além de ter feito traduções em várias línguas.
Na UFSM, é professor em cursos de graduação e pós-graduação, orientando um grande número de alunos em especializações, mestrados e doutorados. Além de suas contribuições acadêmicas, desempenhou funções administrativas importantes na universidade, como diretor do Centro de Educação, pró-reitor de graduação, ouvidor-geral e coordenador de serviços de informação ao cidadão. Participou ativamente da implantação da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e coordenou o programa de expansão da educação superior pública federal (REUNI) na UFSM. Seus vínculos científicos se estendem a universidades na Alemanha e em Portugal.
Foto: Jaqueline Manica