A doação de órgãos, além de trazer à tona sentimentos como compaixão e amor ao próximo, também passa por um minucioso processo nos hospitais. No Bruno Born em Lajeado, há uma comissão especializada de três enfermeiros e dois médicos. “Atendemos uma área que vai de Estrela até Uruguaiana. Assessoramos hospitais e com documentos”, explica a enfermeira Angélica Rocha de Oliveira.
De acordo com ela, o assunto doação de órgãos toma forma quando ocorre a morte encefálica de um paciente, ou seja, o término das funções cerebrais. São realizados testes que confirmam a falência e uma conversa, então, é feita com a família para saber de autorizam ou não a doação. “Explicamos tudo em detalhes aos familiares. Quando há morte cerebral, mesmo que o corpo ainda permaneça na máquina irão parar de funcionar em algum momento. Geralmente, a família entende a situação.”
Conforme Angélica, depois do protocolo de exames e da cirurgia para a retirada o corpo é entregue cerca de 24 horas depois para o funeral. “O órgão só é retirado se já tem alguém compatível para receber, pois não podem ficar muito tempo fora do corpo humano. O fígado e pulmão precisam ser transplantados em até 6 horas, o coração em 4 horas e o rim até 48 horas.”
UM AVISO EM VIDA
Para ajudar outras pessoas com a doação dos órgãos depois da passagem, Angélica orienta que as pessoas expressem o desejo em vida aos familiares, deixem registrado em cartório ou ainda na carteira de identidade. No entanto, no momento do falecimento do doador a família ainda precisa autorizar. “Quem doa ajuda a salvar a vida de mais de um ser humano. Pessoas transplantadas vivem normalmente. Um corpo após a morte passa a dar esperança de viver para outro. Reflitam e sejam doadores, sempre precisa.”
UM RECOMEÇO NA ADOLESCÊNCIA
Em 2008, quando Valdinei Hofle, natural de Arroio do Meio, tinha 16 anos não imaginou que sintomas como fraqueza nas pernas e cansaço poderia ser sintoma de algo mais grave que poderia levar a um transplante, mas foi o que aconteceu. Após realizar exames, foi diagnosticado com problemas no rim e foi encaminhado para hemodiálise no Hospital Bruno Born. Entre a rotina de consultas, veio o diagnóstico de que havia a atrofia em um dos rins e o outro tinha um coágulo. “Naquele tempo, eu pensei que a hemodiálise seria a cura do meu caso, mas quando retirei o coágulo, o órgão começou a funcionar, apenas, 6% o que era pouco. Então, recebemos a notícia de que eu precisava de um transplante.” Assim começou a caminhada para a cura que foi até seus 18 anos.
Imediatamente a irmã do jovem, a professora Mariléia, se prontificou em fazer a doação de um dos seus rins. “Deu tudo muito certo, foi super compatível e hoje levo uma vida normal, mas todo medicamento e sigo as recomendações. É muito difícil colocar tudo em palavras, pois só quem passa pela situação sabe como é. Por isso, as pessoas precisam se conscientizar sobre doações. Eu fiquei com medo de dar algum problema na cirurgia ou que um de nós dois ficássemos doentes com apenas um rim, no entanto, graças a Deus ficou tudo bem.”
O rapaz, que hoje está com 33 anos, diz que a data em que ocorreu o transplante, 11 de dezembro, é celebrada com muita gratidão e alegria por ele e sua irmã. “Uma semana depois quando completei 18 anos eu recebi alta do hospital. Eu e ela comemoramos como um novo aniversário para mim e para ela que teve essa iniciativa de doação. Nós sempre fomos muito ligados e o nosso laço ficou mais forte depois disso. Eu só tenho a agradecer e foi muita emoção. Muitas vezes, mesmo a doação vinda de irmãos, pode não ser compatível e no meu caso foi tranquilo. Ela é como se fosse a minha gêmea. Eu passei por tudo isso e passei a ver as coisas de outra forma. É sempre um choque e aprendi a valorizar até um copo d’água, pois quem faz hemodiálise tem que cuidar com a quantidade.”
LUTA E FÉ
Doar órgãos é amor, luz, empatia e compaixão. Cercado de intensidade, além de salvar vidas, permite que parte de alguém querido que se foi fique viva em outra pessoa. É um ato que traz o renascer da vida, a esperança e pulsa com sentimento de gratidão para aqueles que recebem um transplante. Essa atitude de uma família gaúcha que perdeu um familiar mudará a vida de Cecília Schmidt Hofle, 22 anos, para sempre. Conforme explica a mãe da jovem, Viviane Schmidt, na última semana, a situação se agravou e Cecília foi internada no Hospital Bruno Born em Lajeado e depois no Hospital das Clínicas em Porto Alegre devido à gravidade e piora no estado de saúde.
Foi diagnosticada com um vírus que se instalou no fígado e causou hepatite aguda com falência do órgão. A única forma de salvação e cura era um transplante urgente. Depois de alguns dias de angústia e de uma corrida contra o tempo, veio a notícia como um milagre na sexta-feira à noite: um fígado compatível como o de Cecília foi doado.
No sábado, a cirurgia ocorreu e permitiu uma nova vida para ela. Agora, ela fica um período na casa de saúde para recuperação. “Foi tudo muito rápido. Em menos de um mês descobrimos e ela já começou a ficar ruim. A gente não fazia ideia do problema. Em função do caso ser gravíssimo, ela foi para o topo da fila. Depois desses dias de angústia, estamos felizes que conseguimos. Não tenho palavras para agradecer. Isso foi muito importante, porque vai trazer a saúde e vida de minha filha de volta. Todos deveriam repensar sobre a doação de órgãos. É importante que as pessoas coloquem em sua carteira de identidade o desejo de ser doador e informem familiares para que todos saibam. Nunca sabemos também quando vamos precisar e isso pode acontecer de uma hora para a outra. Doar é essencial e um ato muito lindo e de puro amor.” Durante os dias que aguardavam um doador, o sentimento de Viviane era de angústia, medo e desespero. “Senti dor na garganta, falta de ar e o mundo acabando. Se eu pudesse, daria a minha vida por minha filha. A partir disso, passei a entender muita coisa. Agradeço muito a família abençoada que doou, são pessoas de Deus, milagrosas e que estarão sempre em nossos corações. Eles deram oportunidade para outras pessoas e isso é maravilhoso.”
Foto: Arquivo Pessoal