Manter-se em atividade é fundamental para todos que alcançam a aposentadoria. Ter novas ocupações para o horário que até então era destinado ao trabalho se torna uma necessidade. No entanto, criar novas rotinas, sem envolver o ambiente laboral pode ser desafiador. Em especial para quem se dedicou a determinada função por um longo período de tempo, caso de João Mário Haupt, de Arroio do Meio. Em 2007, já aposentado, ele passou a gestão da Gráfica Sulina para o filho Everson, mas segue marcando presença no local praticamente todos os dias. Aos 80 anos, Mário considera mais proveitoso ir para a gráfica do que ficar ocioso. Ressalta que gosta do que faz e não visa remuneração. “Não gosto de ficar parado, sem fazer nada. O que vou fazer se não ir trabalhar? Ir na bodega? Isso não quero”.
EXPERIÊNCIA
Nascido em Carazinho, João Mário cresceu no bairro Oriental, em Estrela. Iniciou sua carreira cedo, aos 13 anos, trabalhando como impressor e tipógrafo na então Gráfica Paladino. À época era preciso compor a chapa para a impressão letra por letra. Um trabalho minucioso que demandava horas. Para compor uma matriz de tamanho A4 levava uma manhã toda. Em 1966, apareceu uma oportunidade que fez com que se transferisse para Arroio do Meio. Ele e seu colega de trabalho Milton Rocha adquiriram a gráfica que pertencia a Luiz Mantelli (o pai), que havia encerrado suas atividades. Era o início da história da Gráfica Sulina. Em 1982, Milton aposentou- -se e Mário adquiriu sua parte, tornando-se único dono. Ao olhar para trás, Mário diz que nem tudo foi fácil, mas valeu a pena. Por 42 anos a gráfica funcionou em imóvel alugado. A transferência para o endereço atual ocorreu em 2007, quando foi concluído o prédio próprio. A mudança coincidiu com o repasse da gestão para o filho.
A sucessão não era a pretensão inicial, mas ocorreu de forma natural, muito em função de Everson já trabalhar e conhecer o negócio iniciado pelo pai. Estava preparado para fazer as modernizações necessárias. “Tinha que modernizar, se não fechava”. A tecnologia trouxe avanços inimagináveis para o segmento e tornou o processo muito mais ágil e eficaz. “Em 1978 já se falava que em poucos anos não se teria mais a tipografia e foi o que aconteceu. Hoje é uma produção muito mais rápida e fácil, que rende mais”, avalia, mencionando em especial as máquinas de impressão offset, que também expandiram o leque de produtos oferecidos.
Mário não aprendeu a trabalhar com computadores, pois sempre preferiu lidar com a produção, onde segue operando máquinas, principalmente as utilizadas para fazer vincos e numerar cartelas. Com a modernização do parque fabril, boa parte dos tipos antigos foram vendidos e os que sobraram as enchentes do ano passado levaram. Foi a enchente de setembro que o fez sair da casa localizada ao lado da gráfica e que foi o lar da família – a esposa Lucilda e os filhos Ana Lúcia, Andréa e Éverson – por décadas. A mudança de Mário e Lucilda para um apartamento foi feita depois da primeira enchente, o que evitou prejuízo ainda maior com a segunda, em novembro. “Perdemos praticamente todos os móveis. Nunca vi algo parecido. Sempre teve enchente, mas até a de 2020 nunca tinha entrado na nossa casa. No ano passado foi diferente, tivemos perdas expressivas em casa e na gráfica. Decidi sair porque não tenho mais idade para passar por isso de novo”.
AVANÇOS
Dos tempos em que esteve à frente dos negócios tem boas lembranças. Fez inúmeras amizades e afirma que há clientes de longa data, não só de Arroio do Meio, mas de vários municípios da região. Para se manter em atividade por tanto tempo, e em constante evolução, considera fundamental o bom relacionamento com o cliente. Acredita que além de atender bem as pessoas para que elas voltem, é importante entender suas necessidades. Neste sentido, vê com bons olhos a evolução tecnológica, que permitiu agregar outros serviços, a exemplo da confecção de impressos e brindes personalizados. Em tom de brincadeira, diz que nasceu na época errada, já que nos dias atuais o trabalho é muito menos braçal, facilitado pela tecnologia. Ao mesmo tempo em que houve avanços no segmento profissional, Mário vê mudanças profundas no município que escolheu para morar e estabelecer a família. A principal delas é na parte estrutural. Lembra que quando chegou o cenário era outro. Na cidade havia poucas casas, calçamento apenas na rua da Igreja Matriz e um número reduzido de estabelecimentos comerciais, industriais ou de serviços. “Era uma realidade completamente diferente. Hoje tem asfalto, tem comércio, tem muito mais casas e prédios no Centro. Arroio do Meio evoluiu bastante”. Mesmo aposentado desde os 38 anos – naquela época as regras eram diferentes – nunca pensou em deixar a profissão de vez. “Até que eu puder quero continuar trabalhando. Me faz bem e eu gosto”.
Foto: Jaqueline Manica