No início de março, acendeu-se a polêmica em torno de um livro. No centro da confusão, “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório. Do livro se dizia que apresentava “expressões impróprias” para menores. Isso não seria nada se o livro não tivesse chegado às bibliotecas das escolas públicas brasileiras pela mão do Ministério da Educação.
À primeira vista, parecia mesmo um escândalo.
Mas, olha só. O Ministério da Educação não manda livros para as escolas assim no mais. Um longo processo é percorrido antes. Primeiro, é nomeada uma comissão de especialistas. Esta comissão faz uma lista dos livros recomendados. As escolas, por sua vez, pegam a lista e escolhem, dentre os livros recomendados, aqueles que elas querem receber.
Bom, quando os livros já estavam nas escolas, alguém levantou a lebre das “expressões impróprias”. Indignado, o governo do Paraná pediu o recolhimento de duas mil cópias. Mato Grosso e Goiás fizeram a mesma coisa.
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Fui ler o livro.
Aqui estão as minhas considerações:
1.Condenar ou banir livros não é coisa rara. Muita gente tem medo dos livros. Principalmente, pessoas desabituadas de ler. Costumam não dar importância para a leitura, mas se preocupam com o mal que os livros podem causar.
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2. O ato de proibir um livro tem, em geral, o efeito de incentivar a sua leitura. No presente caso, uma semana depois que a polêmica ganhou manchetes, “O avesso da pele” se tornou o livro mais vendido no Brasil.
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3. Se o livro contem “expressões impróprias”?
– Não encontrei expressões impróprias. Só encontrei a linguagem nua e crua que combina com a história e com as personagens de “O avesso da pele”. Acontece que o livro retrata situações vividas por jovens e por famílias que vivem em situação muito precária. Impróprio seria fazê-los falar a linguagem usada nos discursos da Academia Brasileira de Letras…
Cabe observar que livros escolhidos como objeto de estudo em sala de aula são focalizados de múltiplos ângulos. Além de ler, examina-se qual é a história, quem são os personagens, onde e quando se passam as ações, como os personagens se comunicam, também se partilham impressões sobre a obra, etc. Nessa análise observa-se a coerência entre todos elementos. Fácil concluir que, em “O avesso da pele”, não poderia haver uma linguagem que não fosse violenta, simplesmente porque o ambiente em que a história se passa é muito violento.
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5. Se a justificativa para censurar o livro é proteger os jovens das violências desta vida, parece meio simplório condenar palavras e gírias (gírias parecidas com as que os jovens utilizam todos os dias). Se é para proteger os jovens, seria mais lógico não querer que eles experimentassem violências na vida real, como pobreza e racismo. Sentar a lenha nas palavras utilizadas parece muito pouco.
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6.Mas, para ficar nesta onda de proibir… eu censuraria as “expressões impróprias” daqueles que saem condenando livros sem pensar muito a respeito. Aqueles que jogam no time do “Não li e não gostei”.