Confesso que já gostei mais dos invernos. Reparava na chuva, na geada que queimava o pátio. Dava mais atenção à correria dos filhos, gostosos de apertar, feito bichinhos de lã, bochechas vermelhas e fofas. Lembro do frio que cortava feito diamante o vidro da janela e me obrigava a recorrer ao mais encorpado dos vinhos. Até uma confraria criei ao lado de amigos. O gelado era um convite a reuniões animadas, onde, enquanto o gelo cobria a capota dos carros lá fora, no calor da lareira, esquentava-se a vida.
Lembro dos amigos que recitavam poesias, inspirados pelo mesmo deus Baco que, de propósito, os fazia esquecer estrofes, ou engolir rimas. Mas tudo era válido, tudo era quente e aconchegante. Porque era inverno e estávamos juntos. A lareira parecia nunca apagar, a adega sempre cheia. Os confrades traziam seus vinhos e pães, queijos, salames coloniais e caldos a ferver seus vapores aromáticos. O inverno se cobria de um frio suportável assim, mesmo que insistisse em chuvas intermináveis, entremeadas de raros dias de sol pleno, abaixo de zero. Lagartear era tudo o que se precisava para recarregar as baterias.
Chimarrão, chás de todos os tipos e cafés servidos direto da cafeteira italiana. Era energia pura, que se agarrava na certeza de que toda estação tem seu encanto, mesmo que absolutamente fria, com ares melancólicos, quase depressivos. Eu não me permitia sofrer contra o óbvio. Para que reclamar do inverno frio, se não tinha como ser diferente. A alternativa, o norte ensolarado, era apenas uma fantasia cara demais para ser verdade. E duraria poucos dias. Longos seriam os meses a pagar passagens aéreas e hospedagem.
Quero de volta esse frio que convida a algum tipo de celebração. Que não me isole em um edredom solidário, enroscado nos pés de minha amada. É bom, mas não é tudo. Brindar a reação ao frio é importante também. Tanto mais quanto provar o advento gostoso da primavera e verão, quando tudo se torna mais fácil e dinâmico.
Quero a certeza de não faltará parceria para aquecer por alguns minutos, a tão necessária alegria. Quebrar o gelo.
“E no meio de um inverno eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível,” disse Albert Camus. Que assim seja!
Por Ari Teixeira