
Quando fiz concurso pela primeira vez para o Banco do Brasil, escrevi uma bela redação e, ao final, assinei e circulei minha assinatura, como estava habituado a fazer na escola. Na prova de matemática, que se seguiu, resolvi e acertei todas as questões. Durante a prova compareceu um dos fiscais na sala e avisou que não se poderia colocar na prova nenhum sinal de identificação, sob pena de eliminação, mas já era tarde, pois a prova de português já havia sido recolhida. Dois anos depois houve novo concurso e fui aprovado.
A agência do Banco havia sido aberta anos antes e suprida de funcionários vindos de longe, grande parte cariocas.
Meu grupo foi chamado segundo a ordem de classificação e submetido a exames médicos. Encaminhados os exames para a direção do Banco, os demais foram nomeados e eu não. Solicitaram-me um exame complementar que constatou verminose, consequência da infância de pés descalços. Iniciado o tratamento, veio a nomeação. O carioca da chefia iniciou a gozação com o novato de que, no concurso, eu rodara no exame de fezes.
No início do expediente do primeiro dia serviram-me um cafezinho. Estranhei que tomavam café frio. Ao sorver o primeiro gole notei que era puro sal. Eu ainda não sabia onde era o banheiro e fui obrigado a engolir, para deleite de todos os colegas que, assim, davam-me as boas-vindas.
A partir dali passei a assistir muitas brincadeiras aplicadas a novos colegas que, ingenuamente, nelas caíam.
O chefe de meu setor, também carioca, ordenou que meu colega fizesse a seleção de boletos que mantínhamos arquivados para controle da pontualidade do cliente. Determinou que excluísse os mais antigos, com mais de três meses, e os carimbasse com o carimbo “rasgue-se” e rubricasse, procedimento padrão do Banco.
Após selecionar pacientemente os mais antigos durante todo o expediente, pediu ao chefe o carimbo. Este ordenou que fosse ao andar de baixo e o solicitasse ao superior, Chefe de Serviço. Depois de alguns minutos retornou com um carimbo “p.p”, que significa “por procuração”. O chefe de serviço, também carioca, é claro, não “encontrou” o carimbo “rasgue-se” e entregou-lhe o “p.p” dizendo-lhe que significava “papéis prejudicados”.
O colega retornou e explicou ao chefe a troca de carimbos e passou a carimbar e rubricar todos os antigos boletos antes de rasgá-los. Naquela faina, depois de algum tempo, para a risada de todos os colegas, queixou-se que achava um contrassenso carimbar e rubricar os papéis se iriam ser rasgados e jogados no lixo…
Mandar os novos funcionários buscar o “alicate de puxar saldo” ou a “máquina de procurar diferença” era comum e o chefe, sentindo a malandragem, dava um jeito de fazer o incauto rodar mais um pouco ou ainda incrementava a sacanagem.
Essas “máquinas” eram normalmente incluídas na lista de material que o novato deveria requerer ao gerente do Banco ao assumir, além de diversos outros materiais inexistentes, inclusive rolos extras de papel higiênico especial. Numa dessas fizeram o incauto relacionar suas habilidades pessoais para substituir o gerente, caso este precisasse se ausentar da Agência.
Havia dois colegas de uma cidade próxima que não perdiam oportunidade de ir até sua cidade, nem que fosse por algumas horas. Cientes disse, inventaram que, ao final do balanço semestral, o lucro deveria ser levado por um funcionário à agência daquela cidade. Travou-se uma luta surda entre os dois para ser o escolhido, até que um foi designado, gerando ciúmes no preterido.
Ao final do balanço, fizeram-no assinar o recebimento do valor e deram-lhe um envelope lacrado, cheio de carimbos e rubricas, que conteria o “lucro” do Banco, para ser levado à Agência vizinha e entregue ao gerente. É claro que, quando lá se apresentou, dizendo que havia trazido o “lucro” do Banco, fizeram-no andar de um setor a outro, para desincumbir-se de sua “missão”.
A maioria dos colegas acabou casando-se com moças da cidade, depois seguindo carreira ou voltando à suas origens, mas deixando muitas amizades e grande saudade.

