
“Ou isto ou aquilo” é o título de um livro para crianças, escrito por Cecília Meireles. Um dos poemas ali apresentados tem uma parte que diz assim:
Ou se tem chuva e não se tem sol
Ou se tem sol e não se tem chuva.
Ou isto ou aquilo; ou isto ou aquilo…
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Recentemente, vi um dos meus netos às voltas com o livro de Cecília Meireles e me dei conta de que havia um engano ali. Fiquei tentada a sumir com o volume, pra não incentivar o menino a pensar que aí está a inteira verdade. Ou seja, que a gente só – e somente só – tem duas opções: isto ou aquilo.
Melhor reconhecer que a vida real nos apresenta muito mais alternativas do que apenas duas. Tome-se o caso dos povos que convivem com neve. A neve é parte crucial da existência deles, por isso identificar suas características com mais precisão pode ser uma questão de vida ou morte. Assim, têm uma palavra para designar a neve fina; outra, para a neve de flocos pesados; uma palavra para neve caindo e outra, para neve no chão; outra, para a neve que derreteu e recongelou…
Pense um pouco. Se fosse para descrevermos as condições metereológicas, nós igualmente não nos limitaríamos a dizer que chove ou que faz sol. As possibilidades vão muito além disso. O tempo pode estar nublado; pode haver sol entre nuvens e não ser possível dizer que é dia de sol nem de chuva. E, quando chove? A chuva pode vir fininha, intermitente, grossa, torrencial, etc.
O problema do ISTO ou AQUILO é incentivar a crença de que o mundo é binário e que alternativas diferentes se excluem. O fato é que, além de haver nuanças e gradações para cada lado, às vezes gostamos e não gostamos de alguma coisa ao mesmo tempo (pense no seu time do coração, por exemplo).
Um escritor brasileiro – pertencente ao naipe dos gênios -, Guimarães Rosa, escreveu um conto com o título “A terceira margem do rio”. Isto mesmo. O conto fala de um homem que morava de um lado, embarcou na canoa e foi embora de casa. Só que não chegou ao outro lado do rio. Ficou navegando, sem tomar um rumo. Ficou na terceira margem.
É possível uma coisa assim? Claro que é. Não fazer uma escolha também representa uma escolha.
Mais ainda! Olhando bem, dá pra notar que, entre os polos das opções opostas, pode haver gradações mil. No conto acima, às vezes, o homem chegava perto da margem e falava com o filho, às vezes sumia na correnteza, às vezes deixava alguém se aproximar…
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Estou puxando este assunto, porque pode ser bem útil pensar sobre isso. Na vida política, por exemplo, talvez seja mais adequado simpatizar com vários sinais de um campo partidário sem ficar paralisado ali, como a gente fica diante de um muro de concreto. Apoiar umas coisas; repudiar outras. Reconhecer a imprecisão, a mistura.
Provérbio popular bem conhecido diz assim:
“Se o vento soprar de uma única direção, a árvore tem toda a chance de crescer torta.”

