
Há quem diga que a chuva é poesia líquida. Discordo, às vezes, é pura ironia meteorológica. Basta o primeiro trovão para que metade da cidade se atrase, a outra metade reclame, e os mais otimistas saiam dizendo que “a plantação agradece”. Até a poetisa portuguesa Florisbela Espanca, escreveu versos sobre o tema: “Gosto de ti, ó chuva, nos beirados, dizendo coisas que ninguém entende!” Mas essa simpatia acaba quando as precipitações se transformam em inundação. E nisso nós, gaúchos, estamos encharcados de tanto saber.
Mas vamos falar dos dias comuns daquela chuva esperada e necessária. Nesses casos as pessoas se inspiram. Um motorista, por exemplo, ao dirigir, se transforma em filósofo, olhando para o limpador de para-brisa como quem observa o tempo a escorrer. O pedestre, por sua vez, desenvolve uma habilidade acrobática impressionante, desviando de poças e guarda-chuvas alheios. O vendedor de capa plástica descobre, em meio ao caos, a sua Black Friday particular. Um cantor pode ganhar muito dinheiro, feito um Jorge Benjor com sua “Chove chuva”, entre tantos outros. Os Beatles também cantaram a chuva (Rain) garantindo que ela é do bem.
Mas também há um charme silencioso nesses dias. Reparem como a maioria das ruas reduzem aquele ritmo frenético, os cafés ganham um ar de refúgio e, de repente, o tempo convida a desacelerar. É o tipo de dia em que a alma pede uma xícara quente e uma boa desculpa para não sair de casa. Até porque nas calçadas é quase uma guerra entre guarda-chuvas. Proteja os olhos!
A chuva tem esse poder: molha o chão, nos faz tropeçar em poças, encharcar os pés, derrapar quando a sola está meio gasta e, cuidado! Não vá cair porque as pessoas têm pressa. É claro que, por outro ponto de vista, desta vez menos embaçado, também revela bom humor entre desacertos e alguma gentileza. No fim das contas, talvez toda essa água que vemos cair, seja branda ou torrencial, seja mesmo uma espécie de espelho — refletindo, gota a gota, o que a gente carrega por dentro.