A sede da Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Arroio do Meio (Acisam) recebeu na quarta-feira, 22, mais uma edição do Projeto CAO na Estrada, promovido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), por meio do Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (CAOECVM). O evento integrou a programação regional do seminário que percorre municípios gaúchos com o objetivo de fortalecer a rede de proteção e combate à violência contra mulheres e meninas, estimulando a articulação entre órgãos públicos, Judiciário, entidades civis e a sociedade. O encontro contou com a presença de representantes de diversos municípios do Vale do Taquari.
Na abertura, pela manhã, a promotora de Justiça, Dra. Carla Pereira Rêgo Flôres Soares destacou a importância do evento para a comarca. “É com muita alegria que recebemos o projeto CAO na Estrada, uma iniciativa que reconhece a necessidade de dar voz às vítimas e qualificar o trabalho dos promotores e profissionais que atuam na rede de proteção. Conseguimos trazer a palestra da Dra. Ivana e também concretizar outro projeto importante, que é a implantação do Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) em Arroio do Meio. O município será sede de um CRAM regional que atenderá também as demais cidades da comarca.
A vice-prefeita Andréa Lange Barth reforçou o caráter histórico do momento. “Esse seminário é uma oportunidade para unirmos forças e criarmos um mundo mais seguro para as mulheres. A luta contra a violência é de todos nós”. O secretário de Saúde, Gustavo Zanotelli, destacou o papel da rede e da gestão pública. “Estamos vivendo um momento muito especial, com a assinatura do convênio para o CRAM e o fortalecimento das ações de enfrentamento.”
Palestra revela dados alarmantes
A palestra do evento foi conduzida pela promotora de Justiça, Dra. Ivana Machado Moraes Battaglin, coordenadora do CAOECVM e do Grupo Especial de Prevenção e Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (GEPEVID). Sob o tema ‘Direitos Humanos e Relações de Gênero: o enfrentamento à violência contra mulheres e meninas’, Ivana apresentou dados e reflexões sobre o cenário atual da violência de gênero no Brasil.
O país registrou 1.492 feminicídios em 2024. “É uma média de quatro mulheres mortas por dia”, ressaltou. O Brasil é o 5º país no ranking mundial da violência contra a mulher. Globalmente, a cada 10 minutos uma mulher ou menina é morta pelas mãos de seu parceiro ou de um parente próximo.
Dra. Ivana também chamou atenção para o número de meninas vítimas de violência sexual, lembrando que mais de 60% das vítimas têm até 13 anos de idade, e que em mais de 80% dos casos o agressor é alguém conhecido ou da própria família. Muitas vítimas não denunciam os agressores por medo, vergonha ou pressão familiar, o que contribui para a subnotificação e dificulta a atuação da rede de proteção. “O que está em jogo aqui é o poder. A violência de gênero nasce de uma cultura que ainda naturaliza a desigualdade entre homens e mulheres. É uma violência que começa na infância, quando ensinamos meninos e meninas papéis diferentes”, afirmou.
Os estereótipos de gênero se formam desde a infância e moldam comportamentos. “Meninos são elogiados por serem fortes e corajosos, meninas por serem lindas, ‘princesas’. E quando as meninas crescem acreditando que o valor delas está na beleza e na aprovação dos outros, elas se tornam mais vulneráveis a relações abusivas e à baixa autoestima”, observou.
A promotora destacou o impacto das redes sociais na formação dos jovens. “Hoje, muitos jovens são mais machistas que os adultos, porque estão sendo captados por influenciadores que disseminam ódio às mulheres. Do outro lado, as meninas estão se automutilando e tentando suicídio, vítimas de uma pressão estética brutal. O Brasil é um dos líderes mundiais em cirurgias plásticas e 98% das mulheres dizem que gostariam de mudar algo no corpo”, disse.
Ivana também destacou a desigualdade no mercado de trabalho e o impacto da sobreposição de funções que muitas mulheres enfrentam. “Mesmo com formação igual ou superior à dos homens, as mulheres ainda ganham em média 30% a menos, e ocupam menos cargos de liderança. Além disso, muitas mães realizam trabalho informal não remunerado, cuidando de filhos e da casa, acumulando tarefas domésticas e familiares, sem reconhecimento nem apoio. Essa sobrecarga aumenta a vulnerabilidade e é outra forma de violência estrutural contra as mulheres”, pontuou.
A promotora ressaltou que o machismo estrutural prejudica não apenas as mulheres, mas também os homens. “Os homens são ensinados a reprimir emoções, a provar sua virilidade pela força, a não pedir ajuda. Essa pressão para ser o ‘macho provedor’ está na base de muitos comportamentos violentos e também gera sofrimento emocional.”
Combater a violência de gênero exige uma mudança estrutural. “O Banco Mundial estima que só teremos igualdade de gênero daqui a 150 anos. Isso pode parecer desesperador, mas significa que o que fazemos hoje em lugares como Arroio do Meio é o que vai mudar esse futuro. Não há transformação sem educação e sem enfrentamento conjunto.”
À tarde, o seminário seguiu com análises do Formulário Nacional de Avaliação de Risco (FONAR), instrumento utilizado pelas forças de segurança e pelo Judiciário para identificar situações de perigo iminente à vida das mulheres, e do Instrumento para Avaliação da Violência Psicológica (IAVP), que busca dar visibilidade a formas de agressão muitas vezes invisíveis, como o controle, a manipulação e o isolamento.
O evento integra a série de encontros do Projeto CAO na Estrada, que nesta semana também passou pelos municípios de Tapera e Campo Bom. A iniciativa conta com o apoio do Instituto Moinhos Social e visa promover a troca de experiências entre os municípios e a qualificação dos profissionais que atuam na defesa dos direitos das mulheres.




