
Na esfera criminal acontecem muitas coisas inusitadas, que surpreendem até os criminalistas mais experientes. As teorias da época sobre a unidade do crime – quem concorreu para o fato responde por todo o resultado – foram por mim afrontadas. Num caso de empurrões num jogo de futebol, de repente entrou na briga uma pessoa com um porrete e abriu a cabeça de alguns. Para espanto do Tribunal, face à teoria da unidade do crime, condenei os demais só pela rixa.
Hoje temos o art. 29, do Código Penal, de que o agente responde na medida de sua culpabilidade, a diminuição da pena se sua participação for de menor importância e a aplicação da pena deste se quis participar de crime menos grave.
Também afastei a alegação de legítima defesa por ausência do ânimo de se defender. A teoria vigorante era que, se sua conduta representou defesa, mesmo sem saber, era legítima. Caso de alguém que matava de tocaia seu desafeto quando se dirigia ao local onde previamente o outro colocara um detonador da bomba que mataria o agressor.
Essas teorias já estão superadas com a adoção da teoria finalista da ação. O dolo deixou de representar reprovação, mas finalidade da ação. O dolo e a culpa foram deslocados do terreno da culpabilidade para o campo do tipo penal. Assim o fato típico e antijurídico será crime doloso ou culposo.
Para o leigo é mais fácil entender o crime doloso do que o culposo.
Em outra crônica narrei o caso da morte da mulher envenenada, que morreu em acidente ao ser socorrida por uma rapaz não habilitado. Eu o absolvi pela inexigibilidade de outra conduta ou estado de necessidade dirimente.
Lembro do caso de um pastor religioso que não aceitava sua culpa por ter causado um acidente, com lesões, por uma desatenção ao dirigir. Ingressar num cruzamento, não ver que vem outro veículo e causar um acidente, difícil convencer que é crime. Responder por algo que não queria, que jamais desejou, é difícil de aceitar.
Tive um outro caso de uma pessoa que não admitia que fosse culpada pelo acidente. Sustentava que ingressou bem devagar e com todo o cuidado no trevo do entroncamento. Como poderia ter culpa? Tive que dizer-lhe que, exatamente por entrar bem devagar é que era responsável pelo acidente, pois se tratava de um entroncamento de vias de trânsito rápido.
Muitas vezes não consegue o julgador convencer-se sobre como os fatos ocorreram. Julgar é mais fácil do que esclarecer e entender o fato sobre o qual deve decidir.
Numa ocasião surgiu o caso de um cidadão que acusava o vizinho de ter-lhe atirado uma pedra, causando-lhe lesões na cabeça. O vizinho negava a autoria do fato e o atribuía à esposa que o confirmava.
Ficou o juiz no impasse de condenar alguém somente com base na palavra da vítima, embora a negativa do réu, e o reconhecimento da autoria pela mulher. Não restou outro caminho do que absolver.
Às vezes o fato parece inacreditável, como o caso da vítima que foi atropelada por um televisor! Como seria isso possível? A vítima se preparava para atravessar a rua quando uma motocicleta foi dobrar no cruzamento, próximo à calçada, trazendo um televisor na garupa. O aparelho escapou e atingiu a vítima, causando-lhe lesões.
Tive que condenar o réu pela imprudência de carregar o aparelho naquelas condições.

