
O Desembargador de Candelária, Ari Darci Wachholz, foi criado no Rincão Comprido, hoje Avenida Getúlio Vargas. Correu muito pelos potreiros de meu avô, Leopoldo Jensen, e do vizinho Pedro Rathke, campos de minha infância. Chegou a me confessar que andou nas canoas que eu e meu irmão construímos e escondemos na mata.
Em dias de chuva, brincava no salão de madeira do Clube Aliança, fundado por meu pai, Elíbio José Haeser, trazido da Linha Brasil por seu avô, Fredolino Schwantz.
Não herdou apenas os olhos azuis, mas também a maneira de ser, a fina educação e o fino trato de seus pais, Dona Loti e do Seu Lauro, pessoas inesquecíveis na pequena Candelária.
Fez carreira na política e na advocacia antes de trilhar todos os passos da magistratura. Sempre bom contador de histórias, peço licença para registrar duas verídicas que ele me contou.
Antes alguns comentários.
A psicologia do depoimento é muito interessante. Há testemunha que mente deliberadamente. No entanto, ao inquirir uma pessoa, e ao julgar, deve o juiz considerar que a narrativa sofre influência da percepção, do sentimento da pessoa em relação ao fato e às pessoas envolvidas. Também da forma como transmite em palavras o que seu cérebro registrou, muitas vezes preenchendo lacunas da parte que não assistiu.
Sempre dei como exemplo a meus alunos a visão de um objeto sobre a mesa. Metade da direita jurava que era preto, metade da esquerda tinha plena convicção de que era branco. Só os que sentavam no centro da sala viam que era das duas cores!
Muito cuidado deve ter o juiz ao julgar, com paciência de ouvir, de entender e de registrar. Cada testemunha tem sua ótica e forma própria de se expressar. As palavras podem ter significado diferente para quem ouve. O juiz só pode julgar bem se entender bem o fato.
Numa ocasião ele estava ouvindo uma testemunha na região da fronteira, quando ela narrou que o fato havia ocorrido quando mandou sua filha pequena na bodega da vila comprar uma camisinha.
O Juiz ditou para o datilógrafo que o pai havia mandado a filha na bodega comprar uma camisa de vênus.
A testemunha saltou da cadeira indignada:
– Não seu doutor! Era uma camisinha de lampião!
Esse era um cuidado que sempre era preciso tomar: redigir com as palavras da própria testemunha, afastando o risco de alterar o sentido.
Já vi ser alterado o resultado de um Júri pelo erro do escrivão policial consignar em depoimentos que a vítima tinha sido atingida em certa região da cabeça – que havia visto no laudo – com termos médicos que ela jamais usaria, pondo em dúvida a credibilidade do depoimento.
Há aquele escrivão que redigia os depoimentos sempre da mesma forma parecendo que foram copiados um do outro.
A comarca de Santa Cruz do Sul, de colonização alemã, coincidência ou não, acabou jurisdicionada por três juízes de origem germânica – Wachholz, Haeser e Bruxel -, perfeitamente integrados à vida da comunidade, carinhosa e jocosamente chamados, pelos advogados mais chegados, de Gestapo.
O Município conta com um jornal quase centenário, que já faz parte de sua história, e com grande circulação na região.
Numa audiência no foro local, na década de 1980, compareceu a testemunha perante o colega magistrado para prestar seu depoimento sobre o fato.
Após a qualificação de praxe pelo escrivão e o compromisso de falar a verdade, o juiz inquiriu a testemunha se havia presenciado o fato objeto do processo. Ante a confirmação pelo depoente, pediu-lhe o juiz que lhe contasse o que havia assistido, ao que a testemunha respondeu com seu sotaque germânico carregado:
-Tudo aconteceu bem como está no jornal!
Insistiu o magistrado que a testemunha narrasse com suas próprias palavras o que havia presenciado, tendo esta respondido novamente:
– Doutor, foi bem assim como está no jornal!
O juiz insistiu com a testemunha que lhe contasse os fatos que havia testemunhado, para que pudesse redigir seu depoimento, ao que a testemunha retrucou já com enfado:
– Doutor, eu já lhe disse, tudo ocorreu bem como está no jornal!
E já alterando a voz já com um tom recriminatório e de surpresa:
– VAI DIZER QUE O SENHOR NÃO LÊ JORNAL?!

