
A cada alteração legislativa, principalmente na redação de artigos de nossos principais Códigos, eu sinto um calafrio.
O nosso Código Civil é de 1917 e sua redação era tão clara e enxuta que até quem não era da área do direito podia ler e entender. A alteração procedida pela Lei 10.406, de 2002, trouxe uma série de alterações e mudanças de redação que dificultam muito ao operador do direito. Um caso clássico são as questões de herança em que o cônjuge torna-se herdeiro do outro.
Nosso Código Comercial é de 1850, a Consolidação das Leis do Trabalho é de 1943, o Código de Processo Penal de 1941, o Código Penal de 1940. Todos são decretos-leis, assim como o Código de Processo Civil de 1939, alterado em 1973 e 2015. A antiga Lei de Falências de 1945 foi alterada em 2005 com a introdução do Instituto da Recuperação Judicial. A Justiça Eleitoral foi criada em 1932 quando instituído o voto feminino no Brasil.
Note-se que os grandes Códigos da República foram instituídos através de Decreto-Lei na era Getúlio Vargas que modernizou o Brasil na área jurídica e lançou-o na área industrial.
Havia um grande cuidado na redação das leis. Eram em linguagem simples e direta, pois não se pode cumprir e exigir que se cumpra uma lei que não dá para entender ou dá margem a dúbias interpretações. Veja-se a legislação tributária, um inferno para contadores e advogados.
Recentemente tivemos a Reforma Tributária, aprovada pela Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, que estabelece uma nova estrutura para a cobrança de impostos sobre o consumo no Brasil, com início em 2026.
A mudança principal é a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo (IS), que substituirão gradualmente, até 2033, tributos federais como PIS, COFINS e IPI, assim como ICMS (estadual) e ISS (municipal). Parece-me que foi sepultada a federação.
Dias atrás foi sancionada a Lei Nº 15.270, de 26 de novembro de 2025, que prevê a redução do imposto sobre a renda devida nas bases de cálculo mensal e anual e a tributação mínima para as pessoas físicas que auferem altas rendas.
Nem bem entrou em vigor e gera grandes celeumas e dúvidas em sua interpretação, enlouquecendo contadores e tributaristas. Questiona-se a bitributação na pessoa jurídica e na pessoa física, quando da distribuição de lucros, questão há muito afastada pelo Supremo Tribunal Federal por inconstitucional.
Já na madrugada de 10 de dezembro de 2025, após intensos debates e manobras regimentais, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei da Dosimetria (PL 2.162/23), que promove alterações significativas no Código Penal e na Lei de Execução Penal. A proposta redefine a metodologia de cálculo das penas aplicadas a crimes contra o Estado Democrático de Direito, abrangendo condutas como a Tentativa de Golpe de Estado, e estabelece novos critérios para a execução penal.
Como a lei penal mais benéfica retroage em favor do réu – lex mellius -, a alteração poderá reduzir significativamente o tempo total de cumprimento das penas dos condenados pelo 8 de janeiro. Pareceu-me, no entanto, bastante deficiente a redação das alterações, o que pode dar margem a divergentes interpretações, especialmente no Supremo Tribunal Federal, devendo merecer aperfeiçoamento no Senado Federal. O cerne da questão está na incriminação da mesma conduta em duas disposições legais, como já alertara em artigos anteriores – Golpe de Estado e Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito – ante o princípio da consunção, na redação que é introduzida no art. 359, do Código Penal:
Art. 359-M-A. Quando os delitos deste Capítulo estão inseridos no mesmo contexto, a pena deverá ser aplicada, ainda que existente desígnio autônomo, na forma do concurso formal próprio de que trata a primeira parte do art. 70, vedando-se a aplicação do cômputo cumulativo previsto na segunda parte desse dispositivo e no art. 69 deste Código.
Art. 359-M-B. Quando os crimes previstos neste capítulo forem praticados em contexto de multidão, a pena será reduzida de um terço a dois terços, desde que o agente não tenha praticado ato de financiamento ou exercido papel de liderança.

