
Em 1985, o escritor colombiano Gabriel García Márquez publicou o livro “O amor nos tempos do cólera”. Ali ele conta a história de Florentino Ariza que permanece aguardando durante 53 anos, 7 meses e 11 dias para, enfim, casar com a moça por quem se apaixonara na juventude. No livro, que é excelente, o sentimento de amor fica associado com a doença do cólera, a qual é causada por uma bactéria altamente contagiosa e se manifesta como forte diarreia intestinal.
A história contada no livro não tem nada a ver com a situação de aguda divergência política, de polaridade ideológica, que vivemos hoje em dia, mas o título, sim. O título parece bem adequado para espelhar os tempos de cólera, não de amor, que atravessamos agora. Afirma que os sentimentos são contagiosos e que a diarreia (intestinal e mental) é uma manifestação de fúria.
Como na história relatada por Gabriel García Márquez, vivemos a supremacia da cólera. Ela quase sobrepuja o amor. Quando falo em amor, quero dizer, compreensão e generosidade.
Hoje em dia conseguimos, na hipótese boa, expressar a discordância de pensamento. Às vezes, até isso é difícil. Em certos momentos, abrir a boca equivale a pedir briga. Mesmo se não der briga, falta clima para avançar e construir. Falta compreensão, em primeiro lugar.
Compreensão é algo bem diferente de adesão ou concordância. A gente compreende posicionamentos diferentes, sem precisar concordar com eles. O detalhe melindroso é que, para compreender, é preciso ouvir com sinceridade, sem engatilhar de cara um argumento para contrapor. Compreender é alcançar as motivações do pensamento alheio, admitir que ele se estrutura sobre bases diferentes, mas possíveis.
No nosso tempo também falta generosidade.
Dá para entender generosidade pensando na família que convidou X pessoas para uma festa. De última hora chega mais gente e se torna necessário reorganizar o espaço. A mesa tem de ser mudada. Será necessário apertar aqui e ali, reacomodar pratos e talheres, puxar mais cadeiras para perto. Botar mais água no feijão – como se costuma dizer. No fim, tem boa chance de a festa ficar mais divertida e interessante. Mas generosidade supõe paciência (capacidade de compreensão) e grandeza interior. É preciso ser capaz de abrir espaço.
No livro de que falei acima, o amor vence. Passados 53 anos, 7 meses e 11 dias Florentino Ariza e Firmina Daza, enfim, podem viver juntos. A história colombiana teve um final feliz. O que não se sabe é se nós, aqui na vida real, conseguiremos aplainar o caminho entre cólera e amor.
Em todo o caso, face as incertezas sobre o futuro, “O amor nos tempos do cólera”, de Gabriel García Márquez fica como a sugestão de um belo livro para ler nas férias de verão.

