Uma série de entraves burocráticos desafia as Administrações Municipais na execução de obras, programas e outras demandas da população. As dificuldades são variadas: começam pelo sistema de distribuição de verba que está centralizado em Brasília; têm sequência nas formas de liberação dos investimentos, que dependem de projetos técnicos, inúmeros levantamentos e análises por órgãos em âmbito municipal a federal, quando solicitado; e por fim, comprometem os planos de governo elaborados para atender os anseios da comunidade.
A principal queixa dos prefeitos é com a incompatibilidade da realidade administrativa de cada município com o que é proposto pelo Estado e a União – em termos de repasses de recursos e legislação.
Arroio do Meio – O coordenador do secretariado municipal, Klaus Werner Schnack, afirma que além das questões pontuais há outras problemáticas que surgem por meio da institucionalização de pareceres setorizados.
Ele explica que não há como uma prefeitura seguir um cronograma de investimentos. Geralmente os prazos para a execução de projetos com emendas federais são relativamente curtos. O governo cria programas, repassando o compromisso operacional aos municípios, que não conseguem resolver tudo dentro da municipalidade. E, parte do orçamento anual de cada prefeitura é diluído nestas políticas governamentais, o que pega os gestores municipais desprevenidos.
Klaus relata que o despacho é mais demorado quando depende de órgãos estaduais e federais. Alguns documentos permanecem na mesa dos servidores ou autoridades, meses após o protocolo. E, geralmente, durante a tramitação, vários ajustes são exigidos. “Às vezes é preciso suplicar”, destaca. Os mais morosos, em sua concepção, são os ambientais, patrimoniais, históricos e culturais.
As obras gerenciadas pelo Departamento Autônomo de Estradas e Rodagem (Daer), por exemplo, dependem de pareceres da Secretaria Estadual de Infraestrutura e Logística, cuja equipe de trabalho sofre alterações frequentemente, e os novos ocupantes dos cargos, costumam estar desinformados quanto ao andamento desses processos.
Uma situação nova que tem importunado os gestores é a intervenção dos conselhos e sindicatos de determinadas classes em situações de menor relevância. “Ao invés de contribuírem, legislam em causa própria e transferem os problemas para as prefeituras”, aponta.
Segundo ele, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), órgão brasileiro responsável pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais das músicas, teria multado a Câmara de Dirigentes Lojistas em aproximadamente R$ 2 mil, durante um evento ocorrido no Natal passado.
Acesso por São Jacó é opção palpável
Capitão – Para o prefeito Cesar Beneduzi, todas as tentativas para repactuar a obra de pavimentação da VRS-482 foram esgotadas. “Nada foi concretizado”, ataca.
Um projeto feito pela Construtora Giovanella, a mando da Prefeitura de Capitão, foi protocolado no Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer) em 2010.
O custo da pavimentação dos 9,8 quilômetros, partindo da sede municipal até a RS-130, em Palmas Alto, Encantado (abaixo do pedágio), gira em torno de R$ 7 milhões – quase a metade do valor do trajeto pelo Vale do Arroio Grande, orçado em mais R$ 13 milhões para 16,5 km.
O prefeito revela que o trecho de São Jacó já foi alargado pela Secretaria Municipal de Obras e, em tese, só resta a ampliação de uma ponte. Ao contrário da VRS-482, onde pelo menos três novas pontes deverão ser construídas, além do licenciamento ambiental de uma pedreira.
Beneduzi não cria mais expectativas quanto às tratativas do Sindicato da Indústria da Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplenagem em Geral no Estado do Rio Grande do Sul (Sisepot-RS), que por meio de sua assessoria jurídica, busca formalizar uma parceria entre a Empresa Beter S/A de São Paulo, com uma empreiteira local para execução do trajeto. “A cidade de Macapá, capital do Amapá, até hoje não possui aeroporto porque a Beter S/A é a detentora do contrato”, trouxe à tona.
Outra situação lembrada por Beneduzi, foi a demora na liberação dos recursos federais para pavimentação na área urbana do município. Foram investidos R$ 1,1 milhões, destes, R$ 982 mil eram de emendas. “Tivemos que ir inúmeras vezes à Gerência de Desenvolvimento Urbano da Caixa Econômica Federal (Gidur) em Novo Hamburgo. O dinheiro foi liberado em 10 etapas”, recorda.
Criatividade e agilidade são indispensáveis
Marques de Souza – O prefeito Ricardo Kich, esclarece que de uma forma geral, tanto o setor privado, quanto o público, se queixam da burocracia excessiva, quando há a execução de qualquer projeto. “Sempre se diz que o Brasil tem leis em demasia, enquanto em outros países existem menos regras, talvez por isso menos exigências e mais objetividade”.
A burocracia, na realização de projetos, aumenta na medida em que envolve um órgão público. “Não critico este aspecto, pois, em última análise, existe a preocupação de proteger o setor, mas especialmente o gestor, que lida, cuida e administra um recurso que é comum”, observa.
Conforme Kich, na execução de projetos com recursos próprios, a carga burocrática é menos intensa. Porém, quando há a utilização de recursos obtidos em níveis federais ou estaduais, aumenta, em muito, o conjunto de exigências, o que se atribui à fiscalização que esses entes exercem sobre o destino do dinheiro para as determinadas finalidades.
Por isso, os projetos que, efetivamente, mais dificuldades encontram, são os que contam com recursos estaduais, sobretudo, federais. Pois além de envolverem um conjunto de ações do próprio município, de seus quadros de profissionais, passa pelo crivo de equipes e setores técnicos dos órgãos de origem dos recursos que, não necessariamente, concordam ou acolhem o que é proposto. E esses aspectos repercutem na liberação dos recursos, na sua fase de aplicação e após nas prestações de contas e relatórios minuciosos.
“Se as regras do jogo estão definidas para que eu consiga fazer a minha parte, preciso atendê-las, embora pudesse, às vezes, imaginar que seria mais fácil, por exemplo, realizar obras, com menos burocracia. Não é de hoje o ditado que diz que ‘os bons pagam pelos maus’. E no setor público, infelizmente, há gente que não leva as coisas a sério, não as trata com a responsabilidade que a função nos delega”.
Para Kich, os municípios de menor porte são os que mais sofrem com obstáculos impostos pela burocracia. É normal esses não terem em seus quadros, e em tempo integral ou o mínimo necessário, profissionais engenheiros, topógrafos, equipe de meio ambiente, enfim, um aparato técnico que proporcione uma estrutura de trabalho adequada.
Por isso as Administrações são obrigadas a recorrer à terceirização de serviços técnicos especializados. E aí, ironicamente, essa contratação também já passa por um processo burocrático bastante complexo. “Criatividade e agilidade são ações indispensáveis para contornar, em parte, os entraves”, afirma.
Lei dificulta a efetivação de médico
Pouso Novo – A demora para a manutenção do maquinário e renovação da licença para derrubada de pinheiros e a falta de profissionais de saúde preocupam o prefeito Luiz Buttini. Ele afirma que a demora nas licitações de peças estão atrasando o atendimento das demandas da secretaria de Obras. Devido as precárias condições, algumas máquinas serão leiloadas. Na Agricultura, faltam tratores para atender os serviços de silagem. Buttini garante que há licitações em andamento para renovação do parque de máquinas. Outro entrave que trouxe prejuízos à economia local, foi a demora na renovação da licença ambiental para derrubada de pinheiros. Grande parte da madeira derrubada em 2012 sofreu avarias, pois não havia autorização para retirada do local. O prefeito relata que a atividade estava regularizada, mas ocorreram falhas na última prestação de contas. O contrato só não foi renovado anteriormente, porque a fiscalização proíbe a derrubada durante a safra do pinhão. A situação deve estar regularizada até julho. O impasse já dura 12 meses.
A falta de médicos interessados em atuar pelo programa Estratégia de Saúde das Famílias (ESF), é a principal angústia de Buttini. “Sequer houve inscritos no último concurso público. Infelizmente, ninguém quer ganhar menos que o prefeito, mas é o que a lei determina”, observa. A Administração estuda contratar um especialista para cada dia da semana.
Folha de pagamento onera cofres do município
Travesseiro – O prefeito Ricardo Rockenbach, avalia a necessidade de uma diferenciação na aplicação de leis de acordo com o tamanho e orçamento de cada município. Cita, como exemplo, que a qualificação técnica exigida para determinados cargos administrativos esbarra com a lei de responsabilidade fiscal, pois onera os custos com a folha de pagamento, que não podem ultrapassar 50% do orçamento.
Rockenbach ainda apura que determinados programas da Federação, como os do Sistema Único de Saúde (SUS), em que os municípios têm o dever de amparar, funcionariam melhor se os recursos fossem destinados diretamente à Administração.
Entre outras insatisfações com o Estado, critica o programa de Milho Troca-Troca. “A qualidade das variedades disponibilizadas são obsoletas e não correspondem com a produtividade exigida pelo mercado”, expõe. Afirma que a demora do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) na entrega dos certificados da erradicação de brucelose e tuberculose dos rebanhos das propriedades desanima o setor. “Municípios e produtores estão fazendo a sua parte”, salienta.
Na Educação, questiona os motivos do município ter que gastar com o transporte de estudantes de escolas estaduais, “é de competência do Estado”, argumenta.
Outro empecilho da gestão pública, segundo o prefeito, seria o limite em R$ 8 mil para gastos sem licitação. “Às vezes uma peça de R$ 400 precisa ser licitada e só chega entre 45 e 60 dias. E, além do maquinário estagnado, os operadores ficam sem trabalhar”, retrata.
Por fim, lamenta a demora para a aprovação do licenciamento ambiental para instalação de uma agroindústria de derivados do leite no município. Só dentro da Fepam, o trâmite levou dois anos. “A fábrica já poderia estar estabelecida no mercado”, avalia. E o não cumprimento da promessa do asfaltamento da VRS-811, feita pelo Estado em 1998.