A proximidade do Natal lembra os meus tempos de piá vivido no bairro Bela Vista com suas ruas de terra batida. A programação que antecedia a “noite feliz” era intensa. Se iniciava meses antes, com a reserva etiquetada com o nome do comprador para evitar confusões. Dona Flora com o seu jeitão de vovó carinhosa, tipo aquelas das histórias em quadrinhos, morava exatamente ali onde hoje se localiza o Ritt’s, na saída da cidade e cuidava com raro zelo o viveiro.
Depois de cortada a árvore, o desafio era ornamentar o pinheirinho que às vezes tocava o teto da sala. Usávamos bolas coloridas, figuras do Papai Noel, estrelas multicoloridas, anjos e a tradicional barba de pau, espécie de bromélia colhida em árvores do potreiro perto de casa, numa cópia gaudéria da neve.
O presépio – com todos os personagens e a ambientação do nascimento de Menino Jesus – era indispensável. As peças deste verdadeiro quebra-cabeça eram cuidadosamente guardadas numa caixa em lugar inacessível para a gurizada para garantir que estariam intactas em dezembro.
O dia da montagem do presépio era cercado de muita excitação, mesmo que o ritual sempre fosse igual. Entre os adereços usados, lembro de uma travessa de vidro que ficava escamoteada por plantas e serragem. O objetivo era ambientar um lago, com cisnes brancos que nadavam em água transparente, substituída diariamente.
O recital doméstico tinha minha irmã no violão enquanto eu atacava de gaiteiro
Na noite de Natal íamos à igreja cantar no coral da Escola Luterana São Paulo, onde estudávamos. Minha primeira professora, “dona” Dorothéa Suhre, mantinha a gurizada em ordem a muito custo. Afinal, a animação era muito grande!
Depois de duas horas de culto e cantorias, finalmente recebíamos uma recordação do Bom Velhinho, geralmente alguns bombons ou chocolates. Já em casa, antes de avançar nos presentes, era hora do recital familiar.
O repertório de músicas natalinas, algumas em alemão, como indefectível Oh Tanenbaum, além – claro! – de Noite Feliz. O show era feito em dupla: minha irmã ao violão e eu atacava de gaiteiro.
Finda a tortura, chegava o momento de abrir os pacotes. Eu tinha o condenável hábito de apalpar os presentes antes de rasgar o embrulho. Se fosse uma embalagem “mole” deixava de lado porque, é claro, se tratava de roupa, o que não me agradava. Mas bolas de futebol e brinquedos eram sempre bem-vindos.
Sem televisão ou computador nos divertíamos até a hora da janta. Pouco depois era hora de dormir. Como vocês podem ver, a ”noite feliz” era bastante diferente na década de 60/70.

