Esta semana um amigo recordava seus tempos de carpeteiro, apelido para quem é um inveterado jogador de cartas. Daqueles que passava a madrugada numa mesa, abandonando o local já com sol alto ou até avança. Este amigo contou que no cômputo geral teve prejuízos, mas nada que comprometesse o sustento da família, já que sempre jogou a dinheiro.
Ao longo do bate-papo recordei do tempo em que meus pais visitavam meus avós e também meus tios para jogar canastra. Eram longas rodadas, sem apostas em dinheiro sobre a mesa, que rendiam boas risadas e histórias que até hoje permeiam o folclore familiar.
Meu avô, Albino Jasper, ecoava gritos agudos quando “batia”, especialmente quando o encerramento era coroado por “canastra real”. Havia uma tia que se caracterizava pela distração. Quando chegava a vez de jogar precisava ser chamada. Ela adorava participar das conversas que brotavam no entorno da mesa.
Outro personagem do cassino familiar era um tio com jeito emburrado, mal-humorado. Raramente mostrava os dentes. E quando resolvia brincar conosco, crianças, no final alguém sempre chorava.
As noitadas eram encontros de família que deixaram saudades e lembranças
Muitas vezes aquelas infindáveis rodadas de canastra se transformavam numa tortura para a gurizada – eu, minha irmã e minhas primas e primos. Mesmo cansados permanecíamos sentados no sofá até que alguém bradasse:
– Bom pessoal… o jogo tá bom, mas esta vai ser a última rodada!
Era a senha para disparar em direção à porta de saída. As despedidas, para nosso suplício, eram longas, recheadas de beliscões nas bochechas, beijos grudentos e abraços de urso.
Meus tios e avós moravam em Lajeado, onde quase sempre eram disputadas as rodadas de canastra. Isto obrigava a um deslocamento posterior por estrada de chão a Arroio do Meio, até o bairro Bela Vista onde morávamos. O momento de maior tensão era a travessia da Ponte de Ferro sobre o rio Taquari em noites de chuva ou de intensa neblina.
Hoje reconheço que as noitadas de canastra eram encontros de família que minguaram ao longo do tempo. Nós, crianças à época, crescemos, tivemos namoradas/namorados, conquistamos autonomia, seguimos nossos rumos. Lá eu “achava um porre” aquela comilança, o alarido de vozes, a zoeira da mesa de cartas, as despedidas com entreveros de abraços. Hoje tenho saudades. Por isso digo para a piazada lá de casa:
– Curtam cada momento porque, por incrível que pareça, vocês sentirão saudades de nossos encontros.
O tempo se encarrega destas e de outras transformações.

