Minha mulher, nascida do lendário bairro do IAPI, em Porto Alegre, que legou ao mundo a inesquecível cantora Elis Regina, pouco conhece da lida da terra. É uma cidadã puramente urbana, conhecendo uma ou outra nuance da produção gerada da atividade primária. Pois agora aposentada, dona Cármen resolveu reformar parte do apartamento para dar lugar a um espaço para plantar variedades que se adaptam a pequenos espaços.
Em sua maioria são mudas de temperos, uma das paixões que também cativou meus filhos que são cozinheiros de mão cheia, puxando a mãe. A sequência excessiva de chuvas ocorrida no mês passado comprometeu a “produção”, mas trouxe ensinamentos valiosos para os iniciados na produção agrícola.
– Puxa vida! Com esta chuvarada não é impossível que alguma coisa sobreviva! – reclamou diante do décimo dia consecutivo de intempéries.
Ri timidamente e ela compreendeu.
– Já sei, tu vai falar do desafio diário de quem sobrevive da terra e precisa rezar para chover, depois rezar para fazer sol, é isso, né?”.
Era isso mesmo.
Somente a garra de homens e mulheres do campo garante a alimentação de todos nós
Quando ocorrem mudanças bruscas do tempo costumo comentar lá em casa de como é difícil depender de tantas variáveis que não incluem apenas a meteorologia, mas as oscilações internacionais do mercado, o clima em outras partes do mundo e a quase inexistente boa vontade das autoridades. Somente muita teimosia, associada à vocação para produzir alimentos, é capaz de explicar tamanha insistência de um quadro que gera mais frustrações do que alegrias.
O agricultor, ao lado da mulher e da família, é acima e antes de tudo um forte, um trabalhador que não desiste, não se entrega e faz, de sua rotina, garantia da sobrevivência de todos nós. Quando vamos ao supermercado ou à feira nunca imaginamos o longo caminho que os gêneros alimentícios cumprem até a sua aquisição.
A “onda verde” que avança em todo o planeta, valorizando os produtos sem uso de defensivos, priorizando a saúde e afastando corantes e aromatizantes, trouxe alento ao campo. Muitos agricultores investem neste segmento, obtendo rendimentos acima da média das culturas tradicionais. A moda, que parece ter vindo para ficar, poderá resgatar ao menos parte da importância que nosso homem e mulher do campo detêm no contexto da alimentação mundial.
Enquanto isso, lá em casa, não teremos produção suficiente para atender a demanda, mas será importante na autoestima da dona Cármen e na compreensão de como a cadeia alimentar se move. E a importância vital de seu êxito para a sobrevivência de todos nós.

