A dificuldade em conviver com as frustrações da vida é um dos traços marcantes da sociedade moderna que atinge principalmente os jovens. A facilidade de acesso a bens, serviços e prazeres em geral tirou o glamour das conquistas, forjando um contingente de futuros adultos que prefere o refúgio do lar paterno infinito ao invés de encarar um emprego que dê suporte ao seu sustento.
É temerário comparar gerações sem o uso de alguns filtros/critérios diferenciados, como já escrevi aqui. Mesmo assim, porém, algumas condicionantes são inegociáveis com vistas à preparação dos futuros administradores deste país.
No meu tempo de piá, na minha casa, existiam convenções, obrigações, regras condicionantes para termos benesses. Uma delas, lembro com perfeição, consistia na minha tarefa de engraxar os sapatos do meu pai. Era um serviço cumprido sempre nas tardes de sábados, enquanto o velho Giba sesteava. Eu costumava forrar o assoalho com jornais para evitar que lascas de graxas Nugget ou pingos de tinta preta manchassem o piso.
O brilho no calçado do meu pai era um salvo-conduto para negociar algumas reivindicações minhas. Uma delas era o direito de passar loção pós-barba e Brylcreem – uma espécie de gel da época – que deixava o cabelo brilhoso e o penteado firme.
Um pouco de equilíbrio se impõe para resgatar alguns princípios inegociáveis de convivência
Durante os quatros anos da faculdade de Jornalismo, na Unisinos, em São Leopoldo, pagava do meu bolso parte das mensalidades, o que me ensinou a valorizar a importância dos estudos. Muitos criticavam meu pai, mas compreendi os objetivos dele que procuro incutir em meus filhos: a importância do trabalho para chegar-se às conquistas.
O consumismo exacerbado, a ostentação sem limites e a cultura do descartável – inclusive nas relações interpessoais – faz derreter valores e princípios seculares. Não tenho a pretensão de bancar o sociólogo. No meu tempo de adolescente tive amigos que bebiam além da conta, fumavam escondido e consumiam chá de cogumelo em busca de aventuras alucinógenas.
Mesmo assim, mantínhamos uma relação de valorização de nossos pais, com o trabalho e a escola, cuja conservação era feita por nós, alunos. Os desvios são onipresentes, mas devem ser encarados como exceção. Sim, sofríamos com a violência até física, através de surras com chinelo, cintos, vara de marmelo e puxões de orelha. Tudo condenável porque aprendi, dentro de casa, que o bom senso está, sempre, no equilíbrio, jamais nos extremos.
Vivemos um extremo perigoso onde valores basilares são aniquilados em nome do prazer instantâneo, efêmero. Um pouco de equilíbrio se impõe para resgatar alguns princípios inegociáveis de convivência.

