Escrevo sob um festival de raios, trovões e muita chuva. É quarta-feira. Depois de dois dias de calorão aqui em Porto Alegre, o céu desabou às 6h da madrugada quando acordo para levar jornais, ouvir rádio e tomar um chima.
Nesta época de chuvas – a primavera é pródiga em temporais e ventos fortes – lembro da infância vivida no bairro Bela Vista. Os dias chuvosos eram problemáticos. A ligação da nossa casa até “a vila” – como chamávamos o perímetro urbano de Arroio do Meio – era feita por estrada de terra.
O barro em dias de chuva e o acúmulo de poeira no verão eram transtornos extras para quem cumpria o trajeto a pé. Como eu e a minha irmã Neusa fazíamos todos os dias. Fizesse sol ou chuva, calor ou geada.
Era impossível chegar à Escola Luterana São Paulo minimamente limpo nestas condições do clima. Já contei aqui que levávamos um par de calçados extra na mochila para usar dentro da sala onde a dona Dorothea Suhre nos educava. É um anjo disfarçado de professora que nos protegia, acarinhava e ensinava.
O capricho que tínhamos com as instalações da escola contrasta com o vandalismo que campeia na maioria dos estabelecimentos de ensino nos dias de hoje. Tínhamos um enorme amor por tudo que dizia respeito ao nosso dia a dia de aluno. Até nas festas da Comunidade Evangélica São Paulo, quase sempre nos finais de semana, íamos olhar a sala, os corredores e conferir se estava tudo ok.
Tudo na vida passa. Menos as pessoas que ficam para sempre em nossos corações
A chuva, apesar dos transtornos escolares, era fundamental para manter as milhares de espécie que o velho Giba, meu pai, cultivava numa área de terra nos fundos de casa.
Ali ele produzia quase tudo que consumíamos, com capricho e denodo. Ele era obcecado pela agricultura, o que valeu uma sólida amizade com o agrônomo Paulo Steiner que mais tarde viria a ser prefeito da terrinha.
Sempre, em 21 de setembro, o velho Giba me levava pela mão até um cantinho do terreno. Lá, uma cova já estava aberta. Ao lado, uma muda.
– O Dia da Árvore é sagrado! Temos que encher o mundo de verde. Um dia vamos descobrir o mal cometido contra a natureza – profetizava aquele especialista em finanças, formado em Contabilidade.
Às vezes esta liturgia ecológica era cumprida em dia de Gre-Nal. Lembro de duas árvores batizados de Valdomiro e Claudiomiro, autores dos gols do Inter.
São recordações que compartilho e fazem a vida valer a pena porque são as pessoas – e os episódios protagonizados por elas – que são o combustível da sobrevivência. Tudo passa. Menos os personagens que nos servem de inspiração, admiração e profundo respeito. Simples assim.

