Quando a gente chega perto dos 60 anos, vive-se num festival de recordações. Mesmo sem querer é impossível driblar as reminiscências, num eterno comparativo do tipo “no meu tempo era assim, bem diferente de hoje”. Nas datas comemorativas, a sensação de envelhecimento aumenta e os fiapos de lembranças é ainda mais intenso.
A Páscoa é um momento de alegria porque, no meu caso, ficam vívidos episódios de comemoração do tempo que residia na Bela Vista, que sequer era considerado bairro. Tratava-se de uma localidade ligada à cidade por uma estradinha de terra, como já contei aqui, que alternava entre poeira e barro.
A agitação que antecedia o domingo festivo de ressurreição começava muito antes. Minha mãe usava farinha de trigo e, com os dedos, desenhava no chão pegadas de coelho. Nós, excitadíssimos com a data, colocávamos um calçado na janela. No dia seguinte sempre havia um bombom ou pequeno ovo de chocolate.
O domingo, ponto alto da Páscoa, era o único dia em que não precisávamos ser acordados. Cedo da manhã, às vezes ainda escuro e quase sempre com muito frio, íamos ao culto na igreja ao lado da Escola Luterana São Paulo sem reclamar. Nossa ânsia fazia parecer que a liturgia era muito mais longa que o normal. O sermão então, proferido pelo pastor Victor Lehenbauer, parecia interminável…
As recordações estão bem vivas e repousam mansamente no lado esquerdo do peito
Ao chegar em casa, muito excitados, a missão era vasculhar o imenso terreno que circundava a nossa casa. O alvo era encontrar o ninho, acondicionado num imenso cesto de vime caprichosamente enfeitado com laços de fitas e papel celofane.
A embalagem, apesar do capricho de dona Gerti Jasper, era impiedosamente destruída. Havia muita pressa para descobrir quantos ovos, pães de mel, bombons, chocolates e outros quetais beirava à fúria.
Depois, o ritual envolvia comparar o tamanho e quantidade dos presentes com irmãos, amigos e vizinhos. A última etapa era devorar o maior número possível de chocolate. Os efeitos colaterais eram sempre os mesmos: dor de barriga e horas no vaso do banheiro, acompanhado do indefectível chá de losna para minimizar as dores abdominais.
Na escola o passatempo mais perigoso era quebrar cascas de ovo de galinha na cabeça dos colegas. Antes, porém, devorávamos os amendoins recheados com açúcar acondicionados nos ovos pintados e enfeitados por papéis coloridos. Trocar chocolates com os colegas era prática recorrente, longe – é claro! – dos olhos dos pais para que não achassem que não gostamos das guloseimas do ninho de casa.
Colher chá de marcela – ou macela – logo ao amanhecer do domingo era outro hábito. Por longos meses o chá espalhava seu perfume pela casa. Ao meio-dia a data era comemorada com um almoço especial, seguido de um verdadeiro bufê de sobremesas. Hoje, pouco é mantido, substituído por outros hábitos, mas as recordações estão bem vivas no lado esquerdo do peito.
Feliz Páscoa!

