Lembro com nitidez o tempo em que as eleições suscitavam apostas que envolviam churrascos e engradados de cerveja. Ao longo da campanha, conforme o desempenho e as tendências, aumentavam os valores em jogo. As projeções não se referiam apenas a quem venceria. Os cálculos levavam em conta a votação dos candidatos e principalmente a diferença entre os postulantes à prefeitura, competição mais acirrada.
Dois personagens se destacavam quando o assunto era projeção de resultado: Érico Kuhn e meu pai, Gilberto Delmar Jasper. Foram muitos anos de acompanhamento destes dois matemáticos práticos. Em 1968, aos oito anos, tive a primeira experiência de uma campanha eleitoral. O velho Giba disputava uma vaga à Câmara de Vereadores.
Foram diversas incursões a bodegas e armazéns no interior de Arroio do Meio, muitos iluminados por liquinhos e lampiões que pendiam do teto. O balcão servia de mesa principal onde os candidatos discursavam para um público acomodado em cadeiras de palha. Todos ficavam atentos e ansiosos pelo final do comício para devorar pastéis e aplacar a sede com cervejas geladas bancadas pelos candidatos.
Ao final da disputa meu pai elegeu-se vereador pelo MDB, tendo como prefeito Benito Jacob Johann, da Arena, que venceu a Rubens Wienandts. Apesar de bipartidarismo, os dois eram amigos. Trabalharam de forma conjunta por todo o mandato, inclusive em rodas de chimarrão com bolo de chocolate e doces de amendoim preparados pela minha mãe, dona Gerti.
A eleição fortalece a democracia e deveria tornar o cidadão mais civilizado
O dia da apuração era tenso. A contagem realizava-se em Lajeado. As transmissões da Rádio Independente lideravam a audiência em todo o Vale do Taquari. A precisão dos cálculos do velho Giba e de Érico Kuhn eram quase científicas. Eles acertavam a votação dos principais candidatos, além do total de votos dos candidatos a prefeito em cada urna, além da diferença do vencedor para o segundo colocado.
Os cálculos eram feitos à mão, com papel e caneca, sem o emprego de calculadoras que à época eram enormes, barulhentas e raras, restritas a empresas de renome. Contadores, economistas e profissionais em geral íntimos dos números eram recrutados para participar do escrutínio, feito de forma manual, voto a voto.
O pós-contagem – a eleição era disputada sempre no dia 15 de novembro – era feito de carreatas, foguetório e muita carne assada. No dia seguinte as piadas, gozações e brincadeiras dominavam os diversos ambientes. Também era feito o pagamento das apostas e marcados os churrascos previamente acertados para os vencedores.
É óbvio que havia exageros, mas nem de longe via-se a agressividade que se verifica hoje. Mesmo no corpo a corpo da panfletagem, dos comícios e das caminhadas em busca de voto havia respeito. Ninguém se misturava às manifestações adversárias para fazer provocações. Tudo era acertado antecipadamente, sem documento assinado, mas com a predominância “do fio do bigode”.
Depois de amanhã chegaremos ao final de mais uma nova eleição. Há muitas feridas para cicatrizar, amizades para reatar, amores para reconquistar. A disputa, sempre, é um aprendizado que fortalece a democracia e que deveria civilizar o cidadão. Não é bem isto que se viu ao longo de 40 e poucos dias de campanha.
Resta parabenizar os vitoriosos. Lembrar que segunda-feira a vida retoma a normalidade e vamos reencontrar adversário que, por algum tempo, foram vistos como inimigos. É um equívoco que precisa ser evitado no próximo pleito.

