Estamos em pleno feriadão de Páscoa. A pandemia, entre tantos fenômenos inéditos, apagou o significado original de “feriado”, data esperada com expectativa pelos trabalhadores. Para quem, como eu, está há um ano em “regime semiaberto”, confinado 14h por dia ao sofá, os dias úteis, sábados, domingos e feriados têm o mesmo significado, ou seja, normalidade. São todos iguais.
Uma das principais tradições desta época não se repetirá. Permanecerá apenas no pensamento: a coleta da “macela”, nas primeiras horas do dia. Quando meus filhos eram pequenos e conheceram pela primeira vez a Fronteira Oeste (Santana do Livramento) parei numa manhã fria da Sexta-Feira Santa na altura de São Gabriel.
Estacionei em um refúgio. Em seguida nos embrenhamos mato adentro na caça a este chá tão comum para nós gaúchos. Expliquei os detalhes da tradição para a piazada. Além de fortalecer a parceria com os filhos, o gesto de enfeixar as ervas aromáticas para guardar no porta-malas do carro perfumou o ambiente ao longo de toda viagem. Foram horas a fio de recordações da infância na colônia, na Bela Vista, que à época nem era bairro ou tinha pavimentação nas ruas.
Páscoa é, acima de tudo, ressurreição, retorno,
reviver, dar a volta por cima, reinventar-se
Estou frustrado este ano também por não ver o primeiro neto e bisneto da família da minha mulher interagindo com o Coelho da Páscoa. Trata-se do Felipe, um ano e pouco de pura energia, sapequice e curiosidade. Queria vê-lo no sítio dos avós, Mário e Vera Ferreira, correndo pelo gramado atrás dos ninhos, bisbilhotando atrás das árvores, em meio ao mato, seguido de perto pelos cachorros da família – Bilú, Kolly e Fiuk – animais que ainda assustam um pouco o guri.
Todos temos inúmeras recordações desta época do ano. Pessoas da minha geração vão lembrar das cascas de ovo pintadas no capricho em casa ou na escola, recheadas com amendoins e açúcar, lacradas com papel colorido. Terão, ainda, a visão destas mesmas cascas quebradas na cabeça dos colegas dentro da sala de aula, para desespero das freiras do Colégio São Miguel ou dos professores da Escola Luterana São Paulo.
A diarreia na segunda-feira era efeito natural do consumo exagerado de chocolate, devorado de todas as cores e formas – barras, ovos, réplica de cigarro (sim!) e até minúsculas bolinhas. O efeito colateral pós-Páscoa era tolerado pelos pais, cúmplices inocentes de uma infância que nunca se repetirá.
Páscoa é, acima de tudo, ressurreição, retorno, reviver, dar a volta por cima, reinventar-se. Parece piegas escrever isto, mas o momento exige um espírito pascoal intenso para que possamos, ali adiante, olhar para trás, lamentar as perdas, mas dizer:
– Puxa vida… foi duro, dolorido e longo, mas sobrevivi para ser uma pessoa melhor.
Feliz Páscoa!

