Ela levantou cedo, sacudiu levemente os ombros do marido e disse que iria comprar pão e frutas para o café da manhã. Aposentados, com filhos criados e responsáveis por suas próprias famílias, viviam tranquilos entre as atividades rotineiras da casa – afinal a poeira nunca descansa – diziam, quando alguém os via na faxina. “É bom para manter o corpo em atividade”, acrescentava ele, ex-jogador de basquete.
Por volta das 10h, saiu da cama. O café estava posto e o jornal, disposto sob a mesa como todo dia. Tinha pão e frutas também. Chamou pela mulher e ela não respondeu. Não estava no interior da casa, tampouco no pátio. Devia ter ido a um vizinho. Estranhou porque ela sempre avisava. Tentou o celular que chamou até entrar na caixa postal. Ligou outra vez e registrou a mensagem: “Brincadeira, é? Ou foi sequestrada?”
Estava quase acionando a polícia quando ela respondeu ao chamado. Disse que trazia um frango assado com polenta e salada para o almoço. Eram 13h30min. Contou que perdera o aparelho celular. Refizera todo o percurso matinal e não o localizara. Era um aparelho caro, com toda a agenda gravada. “Um menino o encontrou e ligou para um dos números da agenda: Maria, a massagista. A coincidência é que eu estava lá”, argumentou.
Ele ouviu, mas não entendeu porque não o avisara. Deixar um bilhete, ou quem sabe direto da estética mesmo, ora! Sabia que a mulher era muito organizada e responsável. Sumir assim? Comeram aquele frango que lhe pareceu indigesto. A mulher não o olhava nos olhos. Parecia tensa, distante.
Ele manteve a rotina. Juntou e lavou a louça. Nem o tradicional chá de hortelã conseguiu tomar. Não se autorizava, em sua idade, a desconfiar das atitudes da esposa. Mas que havia alguma coisa mal contada no ar, lá isso havia. A sombra da velha figueira, atraía um vento gostoso, mas quem disse que podia cochilar. E, naquele início de tarde, aparentemente tranquilo, lhe veio à mente a certeza, matreira, de que não era apenas a poeira que jamais se aposentava.

