
Sou do tempo da carne de galinha.
– Você não sabe o que isso significa?
Pois nem eu me dera conta, antes de encontrar um folheto que divulgava a Teutofrangofest, em Teutônia. Não sei há quanto tempo a festa aconteceu, mas aconteceu, claro. Não iam fazer a propaganda assim por nada.
A descrição me alvoroçou a ponto de parar pra ler o programa todo. Um evento bem bacana, atrações variadas, etc. e tal. Mas o ponto que mais impressionou foi o cardápio.
Havia a lista com quantidade inesperada de pratos meio estranhos: rolê de frango; filé de frango à doré; frango gratinado; fricassé de frango; risolis de frango, filé de frango ao molho gorgonzola… e mais ainda.
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Você não está entendendo por que falei em pratos esquisitos?
Pois é. Falei em nome do tempo da galinha.
Explico.
Se fosse antigamente, a festa em Teutônia falaria em carne de galinha. Nada de “frango”. Frango era o filhote não adulto da galinha. Era um adolescente, que não sabia o que ia ser na vida – digamos assim. Quando ficasse pronto para a mesa, seria galinha. Para fins culinários, tudo era galinha.
Como é que se preparava a carne?
Você não vai acreditar, mas havia três ou quatro modalidades e c’est fini. Pouca gente praticava mais alguma. Primeira modalidade: ferver longamente para fazer um caldo. Esse caldo serviria como introdução à refeição principal ou como a refeição propriamente dita, se fosse apresentado a algum doente. Aliás, todo mundo acreditava nos prodígios curativos de um caldo bem quentinho. Segunda modalidade: fritar a carne na panela para acompanhar batata, polenta ou macarrão. Terceira: assar no forno. Quarta: fazer galinhada. Galinhada se fazia assim: depois de a carne estar bem frita na panela, acrescentar arroz. Desta combinação e seus temperos resultava a galinhada. E aqui me dão licença para um registro necessário. Justiça seja feita à galinhada: ela tinha prestígio ímpar. Se chegasse visita, saía uma galinhada; se fosse o caso de comemoração, lá vinha a galinhada. Galinhada não era para todo o dia. Era um prato com status.
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Veja você o que o tempo fez com a galinha – e a gente deixou passar como se fosse nada:
1 – a galinha se meteu num montão de pratos, a maioria com apelidos estrangeiros;
2 – mudou o pedigree. De galinha passou a frango. Deixou de ser criada na colônia e tornou-se produto tecnológico. Virou celebrity. Agora é a musa de uma festa na cidade;
3 – a antiga galinhada perdeu pontos na tabela. Foi rebaixada, sem dó nem piedade. Querem prova mais visível? A Teutofrangofest simplesmente deixou fora a galinhada. Nem série A nem série B. Fora!

