
Era muito comum condenado ficar sem contato com seu advogado, por não conseguir mais pagar ou, a maioria, porque eram defendidos gratuitamente por advogados nomeados pelo Juiz.
A Lei de Execução Penal previa muitos benefícios aos presos que deveriam, sim, cumprir a pena, porém com chance de ressocialização.
Em Arroio do Meio tínhamos pouca criminalidade.
Sempre fui adepto de que o preso deveria trabalhar e, no período em que jurisdicionei a Execução Penal em Santa Cruz do Sul, além do artesanato vendido numa banca na praça central, criamos uma horta para o próprio consumo e montamos a costura de bolas para uma indústria local, uma fábrica de telas de arame e a costura de jeans, máquinas que pedi para a Procuradora do Estado adjudicar num leilão judicial.
Na época eu ia semanalmente ao presídio, acompanhava os trabalhos e andava por suas dependências, coisa hoje impensável.
Nas saídas temporárias, previstas em lei, orientava o grupo para ficar na casa dos familiares. Nada de andar pelas bodegas. Havia resistência da comunidade a esse tipo do benefício e orientava que, se um deles infringisse as regras ou não voltasse, todos sofreriam as consequências, pois eu teria muita dificuldade para beneficiá-los novamente.
É interessante como a atenção e confiança mútua geraram um elo que nunca foi quebrado. Não me recordo de nenhuma fuga e de nenhum incidente nesse período.
Nas idas ao presídio eu atendia reservadamente aqueles que desejassem conversar com o juiz. Procurava inteirar-me de seus problemas e dava-lhes a orientação necessária.
Havia uma deficiência de assistência jurídica que muitas vezes era substituída de forma leiga por assistentes sociais e até pelo próprio administrador do presídio.
Numa dessas ocasiões veio falar comigo um homem que já estava no presídio há um ano e não sabia porque e até quando deveria ficar.
Anotei seus dados e, quando retornei ao fórum, mandei pesquisar sua situação.
Localizado o processo, verifiquei que ele não havia sido encontrado anos atrás, quando o processo tramitou. Citado por edital (pelo jornal), foi condenado à pena de multa de dois cruzeiros.
Não tendo sido paga, a multa foi convertida em dois anos de prisão.
Expedido mandado de prisão, anos depois o réu foi preso e recolhido ao presídio, sem que fosse interrogado, o que era obrigatório por lei.
Assim, ele ignorava totalmente sua real situação.
Designei audiência para o dia seguinte e determinei que fosse conduzido ao fórum, onde o interroguei sobre o fato de que era acusado e o informei de que estava preso por não pagar os DOIS PILAS, como dizia o gaúcho.
Informei-lhe que bastaria pagar e seria imediatamente colocado em liberdade, porém ele NÃO TINHA!
Peguei uma nota de CINCO e dei para a escrivã para pagar a pena de multa do réu e exigi o troco, pois se ele poderia estar um ano preso por DOIS, eu queria meu troco de TRÊS… mas ela não tinha, pois se tratava de valor irrisório.
Mediante inscrição prévia, passei a levar, quando da visita ao presídio, os processos de cada um, de forma a poder verificar sua situação. Muitos ignoravam até quando deveriam permanecer presos. Assim, poderia proferir no ato alguma decisão.
Consegui que alguns advogados voluntários passassem a me acompanhar ao presídio e assumissem o acompanhamento de alguns réus.
Grande parte dos motins que acontecem em penitenciárias pode ser atribuídos à negativa de direitos assegurados em lei e à insegurança gerada pela falta de informação de sua situação penal.
Goste-se ou não, o sistema é de cumprimento progressivo da pena, buscando ressocializar o condenado para a vida em sociedade.

