
Na semana passada festejou-se o dia do motorista. Como forma de homenagem, foram mostrados homens capitaneando estes mastodontes modernos: máquinas que dispõem de uma tecnologia comparável à de avião. Tudo automático, confortável, belo, perfumado.
Qualquer um fica impressionado. Eu fico também, claro. Mas, desde o tempo em que andava nos ônibus que faziam a rota Arroio do Meio – Pouso Novo, nada conseguiu se comparar com a impressão causada por motoristas da época.
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Isto mesmo. Até hoje guardo a imagem poderosa dos motoristas que conheci na infância, os quais, aliás, atendiam pelo nome de “chofer”.
Tenho lembrança de ônibus abarrotados de pessoas e de bagagens. Incansável, o motorista dava conta de tantas funções que, se fosse para ser justo, demandariam meia dúzia de ajudantes.
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O motorista dirigia o ônibus pelas estradas esburacadas e poeirentas e parava sempre que alguém quisesse embarcar ou desembarcar. Sempre. Não havia marcos de parada. Parada
era onde alguém ficava ou onde alguém queria subir.
O motorista dirigia e parava, dirigia e parava. Parava para ajudar a descer e a ajudar a subir e para acomodar a bagagem nova ou pescar algum volume entre o emaranhado de outros. Acontece que o bagageiro ficava no teto do ônibus. O motorista chegava lá pela escadinha instalada na traseira do veículo. Subia e tinha um vasto espaço para deixar uma peça ou para procurar outra, largada ali antes. Não admira que o processo fosse demorado. Entre os itens de bagagem, havia quase tudo. Talvez um saco com galinhas vivas devidamente amarradas pelas pernas, uma bicicleta levada para conserto, batatas, laranjas, latas de banha – que sei eu? – além de objeto de uso pessoal dos viajantes.
O motorista dirigia, parava, também fazia entregas de encomendas em casas comerciais do caminho ou para particulares que esperavam à beira da estrada.
Dirigia, parava, lidava com a bagagem, fazia entregas, também assistia e/ou resistia ao mal-estar dos passageiros que passavam mal em função dos solavancos e da mistura dos cheiros da viagem: combustível, poeira, cigarro, comidas.
Sim, comidas também, pois a viagem podia levar horas e ninguém gastava dinheiro comprando lanche no caminho.
O motorista calculava o valor que cada passageiro tinha de pagar, conforme o trajeto percorrido. Recebia e dava o troco puxando do bolso um volume de notas que impressionava os viajantes de dinheirinho sempre tão contado.
O motorista avaliava distâncias, calculava o volume do arroio a atravessar, ficava atento ao barulho do motor, observava o estado dos pneus. Ajudava aqueles que iam ou voltavam do hospital, ouvia choro de criança, avisava na hora de desembarcar e ainda dirigia uma máquina
pesada, com alto potencial de enguiço.
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Se o motor falhava, era uma encrenca. Não havia remédio, além de esperar um socorro distante e incerto. E aí o motorista sacava poderes extra. Não só acalmava os aflitos como convocava a habilidade de contar causos, para fazer o tempo passar… Para fazer a chuva não molhar, o frio não doer, a aflição de quem era aguardado não maltratar demais…

