
Causou surpresa à grande mídia e ao meio político o voto do Min. Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento das acusações contra o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro e demais acusados. Em seu minudente voto, de mais de doze horas, o ministro acolheu preliminares e esmiuçou a prova dos autos, absolvendo a maioria dos acusados.
Só não foi surpreendido pelo voto o leitor que acompanhou meu artigo, publicado em 15.08.2025, NINGUÉM PODE SER PUNIDO POR PENSAR. Lá analisei a questão da caracterização da tentativa que exige atos de efetiva execução. O planejamento do crime não é punível até que efetivamente, por atos executórios, ponha em perigo o bem jurídico tutelado.
É interessante que o voto acolheu queixa das defesas dos acusados sobre o grande volume de dados – que denominou de tsunami de dados – e o pouco tempo para seu exame. Referiu que 70 terabytes equivalem a bilhões de páginas em completa desordem, impossível de serem examinadas, prejudicando o direito de defesa, o que nulificaria o processo.
Também proclamou a incompetência absoluta do STF para o julgamento porquanto nenhum dos réus tem foro privilegiado. Criticou o julgamento pela Turma, e não no plenário, porquanto a modificação da competência ocorreu após o crime. Apontou a incongruência do réu estar sendo julgado no STF por ter sido presidente e isso não valer para fixar a competência do plenário.
Acolheu a delação premiada de Mauro Cid como válida, mas destacou que o próprio Ministério Público pediu seu arquivamento por ter sido realizada pela Polícia Federal.
Com relação ao deputado Alexandre Ramagem decidiu que a suspensão do processo até o fim do mandato, como decidido pela Câmara dos Deputados, deve valer para todos os atos. Não se pode cindir os atos realizados antes e após a diplomação porquanto a acusação da Procuradoria da República é por crime permanente.
Citando a obra de Cesare Beccaria – veja-se meu artigo publicado em 25.08.2025, DOS DELITOS E DAS PENAS – disse que o homem é livre para fazer o que a lei não proíbe. Defendeu a legalidade estrita e criticou a utilização de entendimento pessoal do juiz na interpretação da lei – busca do “espírito do legislador” – ferindo o princípio da legalidade. O fato deve ser como uma luva que encaixa perfeitamente na mão. Interpretações para fazer tal encaixe nada mais são do que arbítrio, concluiu o Min. Fux.
Afirmou a falta de tipicidade das condutas incriminadas, esmiuçando a redação dos tipos penais pelos quais os réus foram denunciados.
O concurso de pessoas para a prática de crimes não caracteriza organização criminosa. Esta exige a reunião de quatro ou mais pessoas, com estrutura estável e organizada, para a prática de delitos graves e indeterminados. Um plano criminoso para a prática de um crime não caracteriza organização criminosa, como decidido na Ação Penal 470 – mensalão – que reduziu as penas em embargos infringentes.
Já a causa especial de aumento da pena – associação criminosa armada – exige a efetiva utilização de arma de fogo, o que não ocorreu.
O dano qualificado e destruição do patrimônio público tombado exige o dolo específico em toda sua realização, não podendo ser estendido com base no “domínio do fato”, devendo cada um responder na medida de sua culpabilidade e não por dano de terceiro.
Por fim, nesta rápida análise do voto divergente, destaca-se que não se pode enquadrar a mesma conduta em mais de um tipo penal face ao princípio da consunção. Se o agente lesiona alguém e depois o mata, só responde pelo homicídio. Da mesma forma se lesiona a vítima e subtraiu seu celular, só responderá pelo roubo. Se porta ilegalmente um revólver e com ele mata a vítima, responderá apenas pelo homicídio, pois o primeiro foi meio para a prática do segundo delito.
Assim, a abolição violenta do estado democrático de direito é subsumida na tentativa de golpe de estado, não cabendo o enquadramento da mesma conduta em ambos os tipos penais.
No exame das provas, que esmiuçou detalhadamente, concluiu que as condutas descritas na denúncia não preenchem os requisitos legais da tipificação. Absolveu os réus, com exceção do colaborador Mauro Cid e do general Braga Neto. Condenou-os por tentativa de abolição do estado democrático de direito por atos praticados na operação de cognome “punhal verde e amarelo” e “Copa 2022”. Segundo ele houve pagamento em dinheiro de Braga Neto a Mauro Cid, ameaça à integridade do Min. Alexandre de Moraes e uso de codinomes com nomes de países, como na série “Casa de Papel”.
O voto majoritário, no entanto, concluiu pela condenação de todos os acusados e por todos os crimes descritos na denúncia. Segundo a conclusão da maioria, os delitos ficaram caracterizados por uma sequência de atos que ocorreram desde 2021 até 8 de janeiro de 2.023. O cerne da acusação está na constante crítica às urnas eletrônicas e à lisura da eleições.
Na narrativa acolhida está a reunião com os embaixadores, mostrando fragilidade nas urnas, as lives realizadas, os discursos de 7 de setembro e reuniões ministeriais e com assessores no Palácio do Planalto. Movimentações, tidas como suspeitas, com auxiliares diretos, acampamentos em frente aos quartéis, culminando com invasões das sedes dos três poderes e danos ao patrimônio público tombado, foram atribuídas a todos os acusados.
Segundo o voto que prevaleceu, o domínio do fato e o fim visado desde o início, de ruptura institucional e perpetuação no poder, atribui ao ex-presidente o resultado delituoso alcançado, sendo ele o líder, o cabeça que comandava a associação criminosa.
As penas impostas foram severas e os ministros já adiantaram que não admitirão anistia e não caberiam Embargos Infringentes para o Plenário porquanto a divergência foi de apenas um voto.
O inusitado é que, em vários momentos do julgamento, inclusive em vídeo exibido pelo Relator, Min. Alexandre de Moraes, durante o voto da Min. Carmen Lúcia, foi destacada a figura do relator como vítima de acusações e ameaças, inobstante sua participação no julgamento.
O fato do Min. Gilmar Mendes ter assistido o julgamento incomodou aos advogados, mas não aos ministros da 2ª Turma, sendo a sessão encerrada pelo Presidente do STF, Min. Luis Roberto Barroso, que também se fez presente no final.