
Na década de 1990 eu atuava no extinto Tribunal de Alçada. Como os Grupos eram divididos conforme a competência, cabia à nossa Câmara julgar recursos que envolviam matéria bancária.
Sou técnico em contabilidade, podendo até assinar balanços.
Antes de ingressar na magistratura, trabalhei em escritório de contabilidade e em dois Bancos, sempre na área de cadastro, tendo como atribuição análises de balanços e perícias contábeis para concessão de crédito.
Tinha tanta facilidade nessa área que inventava meus próprios índices de análise e me divertia olhando balanços nos jornais de domingo.
Julgar recursos nessa matéria, portanto, para mim era fácil, criando precedentes que pautaram, inclusive, a jurisprudência do STJ na época.
Decidia-se sobre limite de juros, capitalização, correção monetária e comissão de permanência, créditos rotativos, cheques garantidos, taxas de juros e taxas de desconto, correção dos financiamentos habitacionais, etc.
Bacharéis em direito geralmente não gostam de lidar com números e odeiam essa matéria.
Lembro de um julgamento em que os colegas discutiam a controvérsia da Câmara na questão da limitação dos juros. Ao votar pedi para olhar o título em execução. A discussão era inútil e a decisão da Câmara equivocada, pois não se tratava de juros, mas de desconto de uma duplicata. Sugeri a anulação do acordão e o retorno do Processo à Câmara.
A jurisprudência consolidada no Grupo era a limitação dos juros a 12% ao ano como previsto expressamente no art. 192, §3º, da Constituição Federal. A disposição era clara e expressa:
“As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei disciplinar.”
Nossos acórdãos eram sistematicamente reformados pelo STF ao argumento de que afrontavam a Constituição. Segundo a tese, essa disposição deveria ser regulamentada pelo Congresso Nacional que, por várias vezes, foi declarado em mora pelo STF, até a disposição ser revogada pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003, sem entrar em vigor.
Nuncauma disposição foi tão clara e, se houvesse de ser regulamentada, jamais poderia admitir fosse superior a doze por cento.
Nossos acórdãos, no entanto, segundo o STF, afrontavam a Constituição… por aplicarem a Constituição!
Mais recentemente tivemos decisões que causam espanto.
Sem entrar no mérito de políticas afirmativas, invocadas em favor de minorias, área do Congresso Nacional, difícil admitir decisão judicial em favor de uniões homoafetivas quando a constituição é expressa ao dispor sobre a união entre um homem e uma mulher.
Da mesma forma quando o STF admite o aborto e cria quotas com base na origem genética, ou até de sexo, ignorando o princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, vedada qualquer discriminação.
Por fim, é vítima, investiga, acusa e julga, e ainda executa a pena de qualquer pessoa, tudo sem competência e qualquer suspeição ou impedimento. E estão com bastante tempo para autorizar individualmente visitas de parentes e de médicos!
Agora, numa decisão monocrática, o Ministro Gilmar Mendes, atribui apenas ao Procurador Geral da República a iniciativa de impedimento de Ministros do STF, alegando que a Lei nº 1.079, de 1950, “caducou”: Diz seu art. 41:
Art. 41. É permitido a todo cidadão denunciar perante o Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e o Procurador Geral da República, pelos crimes de responsabilidade que cometerem (artigos 39 e 40).
Veja-se o que diz o art. 52 da Constituição Federal com a redação da emenda constitucional nº 45, de 2004, ou seja, bem mais recente:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)
II processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Veja-se o paradoxo: aquele que teria a iniciativa exclusiva para processar Ministros do STF – o Procurador-Geral da República – é um dos que figura como passível de processo. E a emenda constitucional nº 45 é de 30/12/2004.
Não é apenas questão de errar por último, como classificou o Senador Ruy Barbosa, em aparte à um discurso de seu colega Pinheiro Machado, mas de quebra da ordem jurídico-constitucional por uma decisão monocrática.

