Para os leigos, o graffiti e a pichação são práticas idênticas. Mas na verdade, a única semelhança entre as duas modalidades talvez seja a utilização do spray. Enquanto que o graffiti é classificado como uma arte urbana, a pichação se relega a um ato de vandalismo.
Os primeiros vestígios de pichação foram descobertos nos muros da antiga Pompeia, cidade que foi destruída por uma erupção vulcânica em 79 depois de Cristo. Na Idade Média, padres pichavam as paredes dos conventos rivais, com o intuito de criticar as doutrinas contrárias e difamar governantes e ditadores. A produção de materiais em aerossol, após a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), facilitou a ação dos pichadores, que começaram a utilizar o spray. A prática se popularizou, chegando aos muros franceses na Revolta Estudantil de Paris, em 1968.
O conceito de pichação sofreu um processo de evolução nos Estados Unidos da década de 1970. Membros de gangues dos bairros mais estigmatizados e periferias de Nova York rabiscavam paredes para demarcar territórios e divulgar sua existência. Com o tempo, os usuários americanos do spray começaram a adicionar desenhos e cores às marcas nos muros, criando assim o graffiti (palavra de origem italiana que define a arte). Uma década depois, o fenômeno do grafitismo atingiu a Europa e, embalado pelo som do hip hop, vem ganhando cada vez mais espaço no cenário mundial.
Pelo fato de ser uma street art (arte de rua) que dialoga diretamente com o público, o graffiti acaba tendo um alcance muito maior que as demais modalidades artísticas. Especialistas no assunto afirmam que, para o futuro, o graffiti deverá se tornar a arte mais conhecida do planeta.
No Brasil, uma lei sancionada em maio do ano passado diferenciou o graffiti da pichação. De acordo com o texto da lei, o grafitismo não será considerado crime quando for realizado com o aval dos proprietários e valorizando o patrimônio público e privado, diferente da pichação que continuará sendo proibida. Mesmo com os avanços na legislação a favor do grafitismo, a prática ainda é vista com restrições pela sociedade. “Infelizmente, as pessoas ainda associam o spray como uma ferramenta de vandalismo,” lamenta o professor de artes Samuel Hergesell.
A arte das ruas para a sala de aula
Hergesell é um dos difusores da arte do graffiti em Arroio do Meio, com trabalhos divulgados em âmbito estadual por meios de comunicação. O primeiro contato com o graffiti foi em 2004, quando ele realizava um trabalho para o curso de Artes Visuais da Ulbra. No começo, Samuel revela ter tido dificuldades para se adaptar ao método de desenho com spray: a mão não fica apoiada, a velocidade do braço e o modo como o cap (tampinha do spray) é pressionado pode alterar na qualidade da arte final. “O graffiti exige muita prática e treinamento,” acrescenta.
Quando começou a lecionar nas escolas da região, Hergesell levou seu conhecimento em graffiti para a sala de aula. Mais do que apenas ensinar o aluno a manusear a latinha de spray, o professor tem como objetivo abordar a história da arte, os estilos e principalmente a diferença entre o graffiti e a pichação. “O graffiti é uma arte moderna que se utiliza do spray para criar as obras, executadas com projeto e permissão. E pichação é um vandalismo, uma poluição visual. Pichar é estragar a estética do patrimônio alheio, é crime e desvaloriza o graffiti” classifica o professor.
Além de dar aulas, Hergesell também é grafiteiro nas horas vagas. E o arroio-meense ganha dinheiro com o hobby. Um projeto executado em um dia pode até lhe render em torno de R$ 350. Em 2010, Hergesell filmou o processo de graffiti de um quarto com o tema Sport Club Internacional e postou no YouTube. Em 90 dias, o vídeo teve cerca de 2.500 visualizações completas e mais de 300 compartilhamentos. O trabalho também foi destaque na TV Inter e observado por pessoas de outros países.
Nas próximas semanas, o professor tem programada uma ação social a convite da direção da Associação de Menores de Arroio do Meio (Amam), na qual fará um graffiti no prédio da entidade.
Pichação: um ato de vandalismo
Em uma volta pelos bairros arroio-meenses, a redação do AT registrou alvos de pichação. Paradas de ônibus, orelhões, muros e prédios antigos são os principais alvos dos pichadores. Talvez pelo fato das pichações não avançarem para as propriedades particulares, os atos não chegam a ser denunciados na Delegacia de Polícia.
Embora alguns dos praticantes classifiquem como arte, para o sistema judicial, a pichação é considerada um crime. A lei 9.604/1998 dos crimes ambientais prevê no artigo 65 que “é proibido pichar ou por outros meios conspurcar (sujar; manchar) edificações ou monumentos urbanos.” O pichador pode levar a uma pena de três meses a um ano de reclusão, além de multa.
Delegado de Arroio do Meio, João Alberto Selig contrapõe que em casos raros o pichador fica atrás das grades. “O objetivo não é prender o meliante, mas fazer com que ele perceba que a coisa que ele faz é errada e pare de praticar,” destaca. Para o delegado, uma maneira de evitar as pichações é fazer os jovens aderirem ao grafitti e destinar locais apropriados para a prática do grafitismo. Em Arroio do Meio, dois pontos foram utilizados para esse fim: na esquina entre as ruas São João e Gustavo Wienandts e na pista de skate da Área de Lazer Pérola do Vale.
Caso uma pessoa flagre o momento de uma pichação, deve entrar em contato com a Delegacia de Polícia (190) – se possível, identificando os autores do crime.