O ato de adotar ainda é visto pela sociedade com um ar preconceituoso. Porém, é uma das medidas que os casais que não podem gerar filhos encontram para realizar o sonho de serem pais. Apesar disso, a preferência de muitos casais é de adotar crianças recém-nascidas e muitas delas, que não possuem o perfil desejado, ficam por muito tempo em abrigos, ou até mesmo, nunca são adotados. Conforme o juiz da Comarca de Arroio do Meio, João Regert, há atualmente 26 casais habilitados para a adoção. No último ano, fo¬ram quatro crianças adotadas na comarca arroio-meense. Regert afirma que hoje nenhuma das 24 crianças atendidas no Abrigo de Menores é da Comarca de Arroio do Meio.
A psicóloga Valquíria Breyer Lopes realiza avaliações de casais que buscam constituir uma família, assim como casais que se encontram no processo de adoção. Confira mais detalhes sobre a adoção no artigo escrito pela psicóloga:
“A prática da adoção não é algo tão recente como muitos pensam, encontramos referências desde a antiguidade nos Códigos Babilônicos como também regulamentação legal no Egito, Grécia e Roma. Na Grécia a adoção tinha duplo sentido: primeiro prevenir a extinção de uma linhagem familiar e segundo perpetuar o cerimonial religioso dos ancestrais. No Egito a adoção desempenhava a possibilidade de transmissão dos bens da família. Sabemos que durante um período da civilização a adoção cai em desuso e posteriormente, a Igreja e o Estado passam a interferir cada vez mais nos assuntos familiares, condenando o infanticídio, o abandono e o aborto. O Estado por sua vez passou a tomar ações punitivas para aqueles que cometiam ações de violência contra as crianças e assim, surgindo no século XVII, na França, os primeiros asilos para crianças abandonadas.
Após a 1ª Guerra Mundial, houve um número significativo de crianças órfãs. Decorrente dos conflitos bélicos, os países europeus começaram a tratar a adoção como assunto do Estado e utilizá-la como instrumento de política social para resolver a situação de crianças sem lar. Assim aparecem as primeiras disposições legais na Itália (1917), França (1923) e Inglaterra (1926) e no Brasil a legislação foi publicada em 1957 e de lá para cá muitas alterações aconteceram.
Diversas são as situações que recém-nascidos e crianças com idade mais avançada são encaminhadas para adoção, se em outras épocas as crianças eram entregues em asilos (como eram chamadas as instituições) e posteriormente encaminhadas para a adoção, hoje muitas das crianças são retiradas do meio familiar biológico por estarem vivendo em condições desfavoráveis para o seu desenvolvimento global. A negligência de cuidados e/ou maus tratos (desde violência psíquica, física e sexual) são razões que com base no Estatuto da Criança e do Adolescente levam o Poder Judiciário retirar a criança deste ambiente impróprio, destituindo os pais da sua condição e encaminhando a criança para a adoção. Temos aqui uma ruptura com a ascendência, mas há uma outra ruptura que devemos falar, seria a ruptura com a descendência, a ideia da continuidade da linhagem familiar ‘sangue do meu sangue’. Considero importante abordar esta questão visto que muitos que se habilitam a adoção são casais que por algum motivo estando impossibilitados de gerarem seus próprios filhos encontram na adoção a possibilidade de ter um filho e assim constituir uma constelação familiar. Mas sabemos que até decidir pela adoção é uma longa caminhada. A impossibilidade de gerar um filho representa uma perda, levando o casal a fazer um luto, porém, esse é um luto muitas vezes vivido de forma solitária e silenciosa, sendo reprimido, pouco falado e muitas vezes nem sendo compartilhado entre as partes envolvidas. Superado esse momento difícil, o casal vai em busca da adoção, o real da impossibilidade de gerar seu próprio filho passa dar lugar a um sonho onde se realiza o desejo de ter um filho, sendo a adoção a concretização do desejo de pai e mãe em relação à paternidade e maternidade.
A adoção é uma relação de duas vias, se para os adotantes é a possibilidade de tornar-se pai e mãe, para a criança é a possibilidade de ter uma família com ingredientes necessários para o seu desenvolvimento: afeto, atenção, limites, respeito, palavras de incentivo, de coragem. Adotar é vincular-se, é criar laços de afetividade, é amar sem esperar nada em troca, é amar sem sentir pena nem de si nem da criança, é amar sem precisar ser um superpai ou uma supermãe, é amar sem sufocar.
O processo para habilitar-se à adoção passa por alguns procedimentos legais, algumas vezes um tanto burocráticos que acabam desmotivando quem ingressa nesse processo, a preferência ainda é por bebês recém-nascidos, uma adoção idealizada, nestes casos o tempo de espera muitas vezes é bastante longo. Mas como tudo na vida há sempre o idealizado e o real. O real são crianças já com mais idade que estão nos abrigos para serem adotadas.
Quando falamos de adoções de recém-nascidos, uma questão um tanto delicada é a revelação à criança sobre sua condição de adotada, inquietando os pais. Omitir a história transforma uma não informação em informação. Silenciar também é informar, um segredo está no ar. O segredo na sua maioria das vezes está a serviço de proteção, mas quem precisa desta proteção? Na sua maioria das vezes os próprios pais que se servem do segredo para se protegerem dos seus próprios fantasmas: “medo de não serem amados pelo filho quando souber da sua história, medo que o filho queira procurar seus pais biológicos, medo da rejeição ou desvalorização, medo do sofrimento e da discriminação” O temor sobre a revelação às vezes é muito grande levando os pais a tornarem-se superprotetores, pais que sufocam a criança, pais extremamente vigilantes, esquecendo de viverem a sua própria vida, limitando-se a viver apenas a vida da criança. Concluindo esta questão é importante, sim, a revelação para a criança da sua história, faz parte dela, não há como simplesmente ignorá-la.
No processo de adoção de crianças com mais idade, é comum adotantes passarem por um período de adaptação de convivência com a criança. Quando a criança já está inserida neste novo meio familiar, inicia-se ali um processo de adaptação, mesmo que cada processo seja único há alguns comportamentos que podemos chamar como característicos desta fase como:
– A criança passa a apresentar alguns comportamentos regressivos, comportamentos de fases anteriores do seu desenvolvimento, como voltar a fazer xixi na cama ou na roupa, manifestar vontade de voltar a fazer uso da mamadeira, bico ou mamar no peito da mãe, dizer que está dentro da barriga da mãe adotiva e simular o seu nasci¬mento. São comportamentos normais, pois através destes comportamentos há a tentativa de viver seu nascimento, como se quisesse retornar ao seu estado de recém-nascido junto aos seus novos pais. Nesta fase é importante o toque, o contato corporal, contato esse que transmite segurança e sentimento de proteção.
– Agressividade, em geral após a fase inicial de encantamento mútuo, a criança pode manifestar comportamentos agressivos, tais comportamentos não significam que a criança não goste de seus pais, ou seja uma criança má. A agressividade e outros comportamentos hostis é a forma da criança testar seus pais, testar o quanto é amada, testar se há possibilidade de ser abandonada ou “devolvida” ao abrigo. É importante que os pais enfrentem esse momento com paciência, firmeza sem temer em colocar limites, pois estas explosões emocionais precisam ser contidas com firmeza e afeto.
– A criança procura se identificar com os novos modelos parentais, ela imita as atitudes dos seus pais, procurando tornar-se o mais semelhante possível na forma de falar, de comportar-se, de gesticular, é a tentativa de fortalecer a noção de pertencimento e ser reconhecido como integrante da constelação familiar.
– Ser superpais, acreditam que precisam ser pais perfeitos, tentativa de provar sua capacidade para o exercício do papel de pai e mãe (como se estivessem seguindo um manual de receitas). E quando se deparam com atitudes agressivas e regressivas os pais sentem-se impotentes, e passam a se culpar por tudo que está acontecendo, se achando incapazes de educar seu filho. Nem pais serão superpais e nem filho será um superfilho.
Estas questões até aqui apontadas, não devem levar o leitor a pensar que uma adoção é algo penoso ou difícil. Com certeza as adoções na sua maioria são bem sucedidas, quando situações como acima citadas foram vivenciadas, com amor, carinho, fortalecimento dos laços afetivos possibilitando a superação dos momentos mais difíceis, afinal, quando o desejo materno e paterno já está instaurado, há também um lugar instaurado para esta criança que está por vir, a filiação inicia antes mesmo do filho chegar. Mesmo não havendo uma gestação biológica, há uma gestação subjetiva, há uma espera, há a expectativa de ver pela primeira vez, de levar para casa, de registrar como filho, de apresentá-lo aos familiares e amigos, expectativas que qualquer pai e mãe têm quando esperam a chegada do filho. Adotar é um ato de amor!
As dúvidas em relação ao desenvolvimento de um filho surgem, e a melhor forma de suportá-las é reconhecer que elas existem e procurar auxílio para superar. A região do Alto Taquari possui na cidade de Lajeado um Grupo de Apoio à Adoção. Este grupo reúne-se mensalmente e lá são abordados diversos assuntos relacionados à adoção, desde as questões legais, desenvolvimento da criança, aspectos sociais e psicológicos implicados no processo, além de ser um momento de troca de experiências entre famílias que já têm seu(s) filho(s) e aqueles que estão se habilitando a adoção. Ao longo do texto fiz referência a casais adotantes, mas cabe ressaltar que hoje há adoções independentes, isto é, para ser mãe ou para ser pai não há a obrigatoriedade de ter um cônjuge, assim como temos casos de adoção feita por homossexuais.”