A maioria dos acidentes envolvendo agricultores tem como principal causa o descuido com a segurança e o mau uso do maquinário. O AT mostra em duas reportagens especiais os riscos que comprometem a vida no campo. Na primeira falaremos sobre maquinários
O corte de pasto e cana-de-açúcar sempre foi habitual na vida da família Schweizer, moradores do Passo do Corvo, em Arroio do Meio. Mas numa fatídica manhã de segunda-feira, em março de 2009, a corriqueira atividade se transformou em tragédia.
Eram pouco mais de 10h quando Clair Stroher Schweizer, à época com 50 anos, voltava da roça dirigindo o trator da família. O carretão estava carregado de cana que serviria para a produção artesanal de melado. A agricultora não tinha o hábito de manobrar o veículo. Geralmente, isso ficava a cargo de familiares.
Ninguém viu o que aconteceu. A sogra, Erna Schweizer, lembra apenas de correr em direção ao trator quando percebeu que ele se locomovia sozinho. Já aguardava pelo pior. Clair estava morta ao lado do veículo, após ser atropelada pela roda traseira direita. “Foi um desespero, não tivemos como fazer nada para ajudá-la. Ela já estava morta”, relembra.
Tudo mudou após a trágica morte de Clair, que era casada e mãe de dois filhos. A família vendeu a maioria das vacas. Faltava gente para ajudar na lida. “Ela era nosso braço direito, faz muita falta”, conta Erna, que também já sofreu acidente de trator. A produção diminuiu e, além do prejuízo, ficou a dor irreparável da perda. “Ainda hoje acordamos de madrugada para rezar e chorar por ela.”
Este caso é apenas mais um dentro da preocupante realidade verificada no meio rural. Pelo menos uma pessoa morre todos os dias vítima de acidente de trabalho no país. Na região, os dados são menos alarmantes. Mas preocupam. Conforme levantamento da Emater, desde 1991, pelo menos sete agricultores morreram vítimas de imprevistos com tratores no Vale do Taquari.
O último fato foi registrado em maio desse ano na cidade de Westfália. O agricultor Vital Antônio Acadrolli, 57 anos, morreu após capotar seu trator enquanto carregava troncos de eucaliptos, que serviriam para trazer benefícios e melhorias à sua família e à propriedade. Ele dirigia sem cinto de segurança.
Outras mortes na região
Em março do ano passado, Ernani Bildhauer, 47 anos, capotou seu trator na localidade de Linha 32, em Arroio do Meio. Pela manhã ele desapareceu após despencar com o veículo em uma ribanceira de quase 50 metros. Foi encontrado morto depois de 10 horas por vizinhos e moradores da região.
Um ano antes, o agricultor Írio Brandt, de 67 anos, caiu com seu trator em um arroio na cidade de Colinas. Morreu esmagado pelas rodas traseiras.
Há sete anos, em julho de 2005, o santa-clarense Tailor Klein foi traído pelo trator que serviu sua família por mais de 20 anos. O agricultor descia um barranco quando perdeu o freio. O veículo – que recebia somente manutenção dos proprietários – colidiu com uma árvore e Klein foi arremessado ao chão. Morreu após a roda traseira atingir sua cabeça.
Morador de Progresso, Paulo Nestor Arend morreu em maio de 1991 após cair do trator e ser atropelado pelo reboque, que carregava outra máquina agrícola. No momento do acidente, estava sem cinto.
Emater alerta para desrespeito à segurança
Conforme o agrônomo da Emater Regional – Vale do Taquari, Nilo Cortez, o desleixo e o desrespeito às normas de segurança são causas recorrentes de acidentes envolvendo agricultores na região. “Cerca de 80% dos acontecimentos decorrem de falhas humanas. Seja por desconhecer o perigo, exceder a velocidade ou até mesmo por falta de atenção e experiência.”
Cortez afirma que cerca de 98% dos acidentes envolvendo mecanização no trabalho rural poderiam ser evitados. “Mas a maioria insiste em ignorar a segurança e deixam de usar o teto dos tratores, ou dirigem de chinelo e sem cinto.” O agrônomo cita também as condições de insegurança em que operam a maioria dos agricultores. Segundo ele, falta de manutenção, mau estado de peças e pneus, e ausência de proteção básica são as principais falhas.
Ele lamenta a falta de preocupação de alguns agricultores. Conta que é comum ver famílias deixando propriedades rurais após acidentes de trabalho. “A maioria já conta com pouca mão de obra, se um fica inválido, torna-se impossível manter o trabalho.”
Para o técnico agropecuário da Emater de Arroio do Meio, Elias de Marco, os problemas se agravam ainda mais com o surgimento de novas tecnologias e produtos. “Inexistiam agrotóxicos, e hoje as pessoas usam sem preocupação. Muitos sequer utilizam máscaras de proteção.”
Segundo de Marco, é preciso intensificar cursos e palestras sobre segurança no trabalho, direcionadas para o setor rural. Afirma que isto é comum nos centros urbanos. “Estes assuntos são discutidos com mais ênfase em outros ramos, como construção civil, por exemplo.”
Amputaçoes e traumas sao recorrentes
O uso inadequado de foices, facões e serras elétricas é a maior causa de amputações entre agricultores. Segundo Cortez, na região alta do Vale do Taquari, há muitos casos de produtores que perderam dedos da mão e dos pés trabalhando no corte do fumo ou da cana. “O uso de equipamentos de segurança adequados é indispensável neste tipo de trabalho”, afirma ele.
Mas no caso do empresário César Poletto, hoje com 40 anos, uma rápida distração foi suficiente para gerar um grave acidente. Aos sete anos, ele brincava em cima de um amontoado de espigas, próximo a um moedor de milho. Sozinho no galpão que abrigava o maquinário, Poletto lembra de ter escorregado. “Caí com a mão dentro do moedor. Só consegui me soltar depois que a correia trancou.”
Era tarde. A força da máquina havia destroçado sua mão direita, a partir do pulso. Ele a viu dentro da máquina, mas não sentiu dor. “Fiquei anestesiado e meu pai logo me socorreu. Enrolamos um pano na ponta do pulso e fomos ao hospital, só então me dei conta do que se passava.”
Com o tempo ele foi se readequando. Teve de aprender a escrever com a mão esquerda, e menosprezar o que ele chama de “ignorância”. “O pior de tudo é o preconceito, tem gente que deixa de contratar alguém como eu por incapacidade. É complicado.”
Outro fato impressiona pela violência do acidente. O aposentado João Gerhardt, que completou 70 anos no dia 20 de setembro, perdeu parte da perna direita ao prendê-la no eixo cardam do trator enquanto encaixava a esterqueira no veículo. “Não lembro o que aconteceu. Quando acordei, olhei para o lado e vi parte da perna no chão.”
Foi ele mesmo quem cortou – com um facão – o resto do membro que ficou preso ao corpo. O acidente ocorreu em sua propriedade, na localidade de Cascalheira, no dia 1º de setembro de 2006. “Foi milagre”, diz o amigo Frederico Schweizer, que há cinco semanas também se envolveu em um incidente com trator. “Fui prensado contra a parede e agora estou encostado.”
Gerhardt utiliza hoje uma perna mecânica. Durante a noite, sente dores “psicológicas”. “Na minha cabeça, a perna ainda está ali.”
Direitos do empregado rural
Apesar da recorrência dos acidentes com lesões leves, são poucos registros junto aos hospitais regionais e sindicatos representantes da classe. Raras são também as ocorrências na Delegacia de Polícia. Segundo o delegado João Selig, só chegam ao conhecimento da polícia casos onde há desentendimento entre patrão e funcionário.
Segundo o coordenador sindical dos Trabalhadores Rurais (STR) do Vale do Taquari, Adilson Metz, a maioria das propriedades é administrada por famílias, por isso são poucos os registros de acidentes. Diz que somente os casos mais graves são de conhecimento do público em geral. “Acidentes leves, como cortes com foices e facões são resolvidos dentro das propriedades. Poucos são encaminhados até nosso sindicato.”
Metz informa que o agricultor que possui carteira assinada poderá solicitar benefícios do INSS caso se confirme a incapacidade mediante acidente de trabalho. O mesmo vale para quem possui Talão de Produtor ou comprove atividades agrícolas. “O STR auxilia nessa questão.”
O afastamento do empregado em razão de incapacidade temporária ou a interrupção do trabalho durante o período de tratamento, quando inferior a 15 dias, não gera pagamento por parte do INSS. Nesse período, a cobertura financeira é de responsabilidade do empregador. Ficará a cargo do INSS o custeio pecuniário do empregado a partir desse período até que ele possua condições de voltar ao ambiente de trabalho.
Para isso é essencial que o empregado esteja registrado e com seus direitos previdenciários em dia. Caso contrário, ficará a cargo do empregador sustentar e custear as despesas hospitalares do trabalhador acidentado até o seu restabelecimento, podendo perdurar por apenas um mês, como também por anos.