Com sintomas sutis que passam despercebidos durante décadas, o agrotóxico é hoje o principal vilão das zonas rurais. Falta de cuidado no manuseio e pouca fiscalização no momento da venda expõem produtores ao perigo.
Vale do Taquari – A maioria dos agrônomos é contrária ao uso de agrotóxicos em lavouras e plantações. Mas as constantes recomendações pouco influenciam na decisão de agricultores. Hoje, o Brasil é o país que mais consome o produto no mundo. Com a falta de fiscalização e o menosprezo pelo perigo, o risco de contaminação é constante nas propriedades rurais da região.
Como os danos são na maioria das vezes imperceptíveis, a pessoa sequer percebe que está sendo intoxicada pelos produtos. É comum que sintomas apareçam após 15 ou 20 anos. É a chamada “intoxicação latente”. Depressão, problemas no fígado, danos neurológicos, má formações congênitas, alguns tipos de câncer como leucemia e tumores de cérebro, transtornos da imunidade e alterações na qualidade dos espermatozoides são algumas doenças causadas pelo uso inadequado dos produtos.
O gerente regional da Emater – Vale do Taquari, Derli Paulo Bonine, comenta que o contato da pele com o produto é a principal causa de intoxicação. “Muitos pensam que a inalação do produto é o maior risco, e acabam descuidando no momento de manusear com as mãos.” Náuseas, dores de cabeça, sudorese intensa, tremores, vômitos, tonturas e visão turvada são os primeiros sintomas.
Bonini afirma que são poucos os casos de intoxicação em zonas rurais registrados nas secretarias de Saúde ou hospitais da região. “Na maioria dos diagnósticos, o agrotóxico não aparece como causador do problema. Isso cria uma ilusão de que o problema não seja grave.” Ele enfatiza que a Emater sugere o plantio sem agrotóxicos. “É possível cultivar sem uso de veneno.”
No entanto, explica Bonine, desde o início das lavouras de soja no Estado a maioria dos produtores optou pelo uso contínuo de agrotóxicos. Ele informa que para prevenir acidentes é preciso cuidado no momento de aplicar o produto. Segundo ele, o pulverizador costal é o mais perigoso para o agricultor. “O ideal é realizar a aplicação com uso de maquinários, sem contato com o produtor”.
O inspetor regional do Conselho de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Rio Grande do Sul (CREA-RS), Renato Lautert, reforça a importância dos equipamentos de proteção individual (EPI), e faz outro alerta. “Outra providência igualmente importante é nunca aplicar agrotóxico em dia com fortes ventos.”
Agropecuárias vendem sem receita agronômica
A reportagem ligou para três agropecuárias da região, solicitando a compra do produto “Glifosato”. Para compra do agrotóxico, a legislação exige receita de um agrônomo ou profissional habilitado. “A empresa que vender dessa forma precisa ser notificada. É contra a lei”, afirma Renato Lautert.
Lautert diz que, se constatado esse tipo de comércio, o estabelecimento é notificado para regularizar a situação. “Se não o fizer, será multado e, se voltar a praticar esse tipo de crime, receberá penas mais severas.” Ele alerta que o comércio de agrotóxicos sem fiscalização leva perigo para os produtores rurais. “Os produtos podem ser usados por pessoas que não têm real conhecimento de seu perigo.”
O inspetor chama a atenção para o chamado “período de carência”, compreendido entre a última aplicação do agrotóxico e a colheita ou consumo. “Outra questão muito importante é a dosagem do produto, é preciso controle da quantidade de veneno por área.” Conforme Lautert, o Crea fiscaliza as agropecuárias da região, fiscalizando documentos como as cópias dos receituários agronômicos.
Para Bonine, o atual controle de entrada e venda dos produtos é frouxo. “A fiscalização é ineficaz, existe muito contrabando e vendas avulsas. Mesmo em lojas autorizadas ocorrem diversas falhas.” De acordo com o gerente regional, o principal objetivo da receita agronômica é a utilização correta de agrotóxicos. “O diagnóstico do problema é pré-requisito essencial para sua prescrição.”
Nessa semana um projeto que tramitava na Assembleia Legislativa trouxe de volta uma polêmica sobre a venda de agrotóxicos. Uma proposta de lei previa mudança na legislação de 1982, que limita a entrada de produtos no Estado. Acabou sendo engavetada após muitas críticas de agricultores e ambientalistas.
Anvisa alerta para consumo de alimentos
Uma pesquisa realizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) constatou que os produtores rurais têm usado agrotóxicos não autorizados no plantio de alguns alimentos. Em 2010, foram avaliadas 2.488 amostras de alimentos. Dessas, 28% apresentaram resultado insatisfatório para a presença de resíduos dos produtos. No total, havia 605 amostras contaminadas com agrotóxicos não autorizados.
O pimentão lidera a lista dos alimentos com maior número de amostras contaminadas, sendo constatado o problema em quase 92% das amostras. Em seguida, aparecem o morango e o pepino, com 63% e 57%. A Anvisa constatou também que, das 684 amostras consideradas insatisfatórias, 208 (30%) tinham resíduos de produtos que estão sendo revistos pela Vigilância Sanitária ou serão banidos do país, como é o caso do “Endossulfan” e do “Metamidófos”.
De acordo com a nutricionista, Juliana Scheibler, mesmo com o controle de resíduos realizado pela Anvisa nos alimentos, o risco de contaminação existe. “Podemos afirmar que, somente adquirindo produtos orgânicos, cultivados sem uso de venenos, é que podemos ter garantia que os alimentos são seguros e saudáveis.”
Juliana comenta que, para diminuir a concentração de agrotóxicos nos alimentos, é preciso acondicioná-los em um recipiente limpo e colocá-los na geladeira por no mínimo duas horas após a compra. “Assim se evita a absorção da água na hora da higienização, e por consequência, deixa de absorver os agrotóxicos da superfície.”
Ela sugere que, após a retirada dos alimentos da geladeira, o consumidor os lave em água corrente. “Após coloque o alimento em um recipiente com uma colher de sopa de água sanitária, sem cheiro, em um litro de água. Deixe de molho por 5 minutos e depois enxague os alimentos.” Segundo ela, dessa maneira é possível diminuir a concentração de agrotóxicos dos alimentos.
Metade do consumo é de herbicida
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os herbicidas respondem por mais de 50% da quantidade entregue ao comércio. Os estados brasileiros com maior uso de agrotóxicos são o Rio de Janeiro (10,9 quilos/ha), São Paulo (6,9), Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal (4,3).
Conforme o IBGE, o modelo da agricultura brasileira gera aumento constante no uso de fertilizantes e agrotóxicos. Em 2010, a quantidade comercializada de fertilizantes foi de 155Kg/hectare (ha), das quais 43,7kg/ha de nitrogênio, 51,8 kg/ha de fósforo e 59,6kg/ha de potássio. De acordo com o instituto, o agricultor brasileiro utiliza, em média, 3,6 quilos de agrotóxicos por hectare.
Problemas para o ambiente natural
Entre os principais problemas de poluição do meio ambiente está o uso descontrolado de agrotóxicos. Segundo Bonine, os resíduos são a segunda principal fonte de contaminação da água captada para distribuição, ficando atrás somente do esgoto. Conforme o gerente regional, uma pesquisa do IBGE divulgou que entre os municípios que fazem captação em mananciais superficiais, como rios e córregos, 6,24% registram contaminação por agrotóxico, contra 8,47% que têm contaminação por esgoto. Desde 2008, o Brasil é o principal consumidor mundial de agrotóxico.
Dicas de segurança
Identificar precisamente a praga a ser controlada;
Investigar a existência de outros métodos, não químicos, eficazes para o controle da praga;
Se tiver que usar agrotóxicos, procurar os produtos menos tóxicos;
Ler cuidadosamente todas as instruções sobre o manuseio e aplicação do produto (na receita, no rótulo e na bula);
Comprar apenas as quantidades indicadas na receita agronômica;
Para conseguir uma receita, procure sempre um agrônomo ou um técnico habilitado;
Nunca transportar o produto junto com pessoas, animais, forragens ou utensílios pessoais, para evitar contaminação;
Armazenar em local trancado, fora do alcance de crianças, pessoas estranhas ao serviço e animais;
Não reutilizar embalagens vazias, mesmo depois de bem lavadas;
Não aplicar o produto contra o vento e não caminhar entre plantações recém-tratadas.