Lajeado – Um grupo de médicos realizou manifestação em frente à emergência do Hospital Bruno Born (HBB), na quarta-feira. Os cerca de 40 profissionais reivindicam prova de validação do diploma dos estrangeiros na área, melhores condições de trabalho e plano de carreira para a categoria.
O grupo reunido em frente ao hospital protestou em consonância a dezenas de ações ocorridas durante a quarta-feira em todo o Brasil. Os cartazes traziam frases que ironizavam o governo federal em relação ao programa que está sendo estruturado para atrair médicos do exterior. A intenção do Planalto é levar os profissionais a atuarem nas cidades do interior.
Atuando há 35 anos na medicina, o neurocirurgião Roberto Wagner trouxe o cartaz que provocava: “Dilma, sai do Sírio (Libanês) e vem pro SUS”. Para ele, o pior na saúde não é a falta de recursos e sim a falta de gestão. “Em outros países a área da saúde é um esteio para a população. No Brasil é um problema”, declarou Wagner, que diz não ser contra a vinda de médicos estrangeiros. “Sou contra a vinda de médicos despreparados ao nosso país. Estudei seis anos, fiz mais cinco anos de residência, mais especialização. Por que eu preciso provar que sei e “eles” não?”
Eduardo Kieling está formado há dois anos e atua no atendimento do Pronto Socorro e faz residência em radiologia. “Não somos contra os médicos de fora. Somos contra a entrada destes profissionais sem passar pelo Revalida”, explica Kieling. O Revalida é um exame nacional que reconhece diplomas estrangeiros de Medicina. “A prova avalia, inclusive, a capacidade de comunicação com os pacientes”, completa Kieling.
A intenção do Ministério da Saúde é atrair primeiro médicos brasileiros para suprir a ausência de profissionais em municípios distantes do país. Caso a mão de obra seja insuficiente, estrangeiros devem ser aceitos, provavelmente com autorização de trabalho por um período determinado.
Dados do MS indicam que o déficit atual de médicos é de 54 mil profissionais atualmente. O Brasil tem uma média de 1,8 médico a cada mil habitantes, contra 1,9 da Venezuela, 2,4 do México, 3,2 da Argentina e 6 para cada mil habitantes em Cuba.
Atenção Básica
O número de vagas no novo programa está indefinido, mas o ministério diz ter uma ideia da demanda pelo número de postos não preenchidos na última edição do Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab), no qual municípios se inscrevem para receber médicos bolsistas. Cerca de 13 mil vagas foram abertas na última edição do Provab, mas só 3,5 mil médicos estão atuando no programa.
“Deve haver avaliação do currículo dos estrangeiros e da atuação do profissional no país de origem, além do histórico de trabalho e outros critérios de seleção”, diz o ministério. O mais provável é que os estrangeiros interessados no programa permaneçam por um período de avaliação de três semanas em uma universidade ou instituição de ensino superior brasileira. Os critérios para a adesão das instituições ao novo programa também estão sendo definidos.
Prioridades
O ministério diz ainda que países com menos médicos por habitantes do que o Brasil (média de 1,8 médicos para cada mil habitantes) não devem ter profissionais incluídos no programa. Isso deixa de fora Peru (0,9 médicos para cada mil habitantes), Paraguai (1,1 médicos para cada mil habitantes) e Bolívia (1,2 médicos para cada mil habitantes).
A prioridade é para a vinda de médicos de Portugal e da Espanha, diz o ministério, por serem países com proximidade na língua e por terem bons centros de formação em saúde. O desemprego e a crise econômica que afetam esses países também são critérios levados em conta para a escolha.
Para o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha não se pode apontar obstáculos, como as diferenças culturais e a língua estrangeira. “A língua não é um obstáculo intransponível, senão não tinha o Médico Sem Fronteiras, que ganhou o Nobel da Paz por salvar vidas.”
AMB promete ir à Justiça
Representantes da Associação Médica Brasileira (AMB) afirmaram que a vinda de médicos estrangeiros para o sistema público configura “trabalho escravo” e uma medida de “alto risco”. A associação promete ir à Justiça e buscar órgãos internacionais em ações contra a medida.
Dia 21 de junho, em pronunciamento em rede nacional, a presidente Dilma Rousseff propôs incentivar a contratação de médicos estrangeiros para trabalhar exclusivamente no Sistema Único de Saúde (SUS). A intenção foi reafirmada dia 24, quando a presidente propôs aos 27 governadores e aos 26 prefeitos de capitais convidados por ela para reunião no Palácio do Planalto a adoção de cinco pactos nacionais (por responsabilidade fiscal, reforma política, saúde, transporte, e educação).
Médicos da microrregião corroboram contrariedade
Kátia Augusta Civardi – Médica do Posto de Saúde de Capitão
Sou contra a medida da presidente Dilma. Atualmente, estrangeiros que pretendem exercer a Medicina no Brasil (e também brasileiros que cursaram Medicina no exterior) são submetidos a avaliação por meio de exame, e somente se aprovados podem exercer a profissão neste país. Os médicos trazidos pelo governo não serão submetidos a essa avaliação.
Não há justificativa para tal medida, visto que não há falta de médicos no país, e sim má distribuição destes profissionais. E isso ocorre principalmente devido à falta de uma estrutura mínima que nos dê condições de prestar um atendimento digno a essas populações desfavorecidas.
O médico não consegue ser resolutivo se não estiver amparado por uma adequada equipe de trabalho. Não há como atuar de forma satisfatória sem dispor de recursos diagnósticos e terapêuticos e de uma logística para encaminhamento de pacientes. A vinda dos médicos estrangeiros vem sendo apresentada como uma solução “mágica” e imediata para a saúde pública, mas só desvia o foco dos problemas fundamentais: o financiamento insuficiente do SUS e a má gestão dos recursos.
Edel Holderried – Médica do Posto de Saúde de Travesseiro
Sou contra. Em primeiro lugar, sempre se deve valorizar a “prata da casa”. Depois, quem nos garante que estes profissionais estarão devidamente qualificados? Os mesmos terão, no caso de a medida ser implantada, que passar pela mesma burocracia que nós temos que passar quando pretendemos trabalhar lá fora.
Se o Estado aplicasse devidamente os impostos na infraestrutura médica e hospitalar do interior do país, aposto que mais médicos se disponibilizariam a trabalhar, diminuindo assim a cultura da “ambulancioterapia”.
Sim, porque nós, médicos, como qualquer trabalhador, ansiamos por uma ótima infraestrutura e um ótimo ambiente de trabalho para exercermos nossa digna profissão. Trabalho com satisfação na cidade de Travesseiro, que me acolheu tão bem, e onde escutei a seguinte frase de uma paciente: – “Como é bom se sentir amado por alguém”. Esta frase faz valer a nossa profissão.
Cláudio Adolfo Grehs – Clínico e cirurgião geral em Arroio do Meio
Sou contra. Acho um erro de avaliação das autoridades brasileiras, no que diz respeito a vinda de médicos estrangeiros. Seria um golpe na classe médica do país que forma anualmente dois mil médicos e estes não encontram, na maioria das vezes, o necessário respaldo para se colocarem nos pequenos municípios do Brasil.
Não adianta mandar os médicos para os lugares onde não são garantidos meio de diagnóstico, medicamentos e uma equipe de outros profissionais da saúde que possam ajudar os médicos. O interior necessita de médicos contratados para atender o SUS, mas 157 municípios gaúchos dos 497 não contam com um profissional (dados do Simers). Ha necessidade de reforma nos hospitais e contratação de serviços médicos para atenderem os hospitais e abrir UTIs.