Para quem já vinha tendo informações, de longa data, mas sem provas concretas, o episódio que chegou a conhecimento público na última semana, não se constitui em uma surpresa. E há sinais bastante evidentes de que a Polícia Federal, juntamente com outros órgãos da Justiça, se puderem atuar, agir com autonomia e independência, identificarão e qualificarão fatos irregulares bem como chegarão aos seus autores e patrocinadores.
A investigação que iniciou nesta semana no interior do município de Santa Cruz do Sul e outras localidades da região, onde ocorreram denúncias de irregularidades na concessão ou obtenção de financiamentos bancários através do Pronaf, é alarmante e poderá revelar uma situação criminosa, de grandes proporções. Comenta-se que seriam em torno de 6.500 contratos de financiamentos agrícolas, com probabilidades de vícios e fraudes.
A intermediação de uma “Associação” teria facilitado um esquema de desvio de uma soma muito elevada de recursos, uma vez que essa entidade seria a “repassadora” do dinheiro oriundo do Banco, fazendo-o chegar ao produtor rural. Mas depoimentos de agricultores, dizendo terem sido lesados por não receberem os valores devidos aos bancos, sendo-lhes entregue somente uma parte do contratado, indica uma situação intrigante.
É de se lamentar que esse processo de investigação não tenha começado um pouco antes, pelo menos dois ou três meses antes das eleições. Desta forma seria possível evitar que houvessem insinuações ou tentativas de vincular qualquer ação a propósitos de “prejudicar” determinados candidatos, com a presença do ingrediente eleitoreiro.
Essa “permissão” de apenas mexer no caso a partir do dia seis de outubro, indiscutivelmente favoreceu, de alguma forma, certos candidatos, não se sabendo que, caso ocorra a confirmação de envolvimentos, aconteçam punições ou cassações de eleitos.
Não se trata de querer-se fazer um pré-julgamento ou incriminar qualquer indivíduo antes das necessárias apurações. Mas jamais se poderá admitir que mais uma vez tenhamos que ouvir gente dizendo “que nada sabe ou nada viu!”, como tantas vezes tem se repetido em situações de nítida corrupção. E o que é mais deplorável é a possibilidade de ter ocorrido um abuso da boa fé dos agricultores, usados, enganados e ludibriados por uma estrutura bem montada em benefício de interesses obscuros.
Muita gente da nossa região lembra de fatos estranhos que também por aqui aconteceram no início dos anos 2000, quando agricultores, antes de terem liberados os recursos de seus financiamentos, via Pronaf, tinham que depositar uma espécie de “caução”, em nome de uma entidade, com a promessa de devolução posterior. Há produtores rurais guardando os comprovantes, dos 3%, mas sem mais nenhuma esperança de reaverem esses valores. Para onde foram? Que fim levaram e serviram a quem?
Pode ser lembrado também caso parecido ocorrido em várias localidades do Estado, há alguns anos, quando recursos públicos federais foram destinados a projetos de mini-indústrias de álcool combustível, cujos planos jamais se concretizaram e nunca saíram do papel. No entanto o dinheiro não retornou e não foi recuperado. É uma incógnita, ainda mais considerando que havia notícias de que máquinas e implementos adquiridos na época ficaram guardados por aí por muito tempo e escondidos debaixo de lonas.
A apuração dos fatos suspeitos e denunciados na região de Santa Cruz do Sul, se confirmados, tornar-se-ão, possivelmente, em um dos maiores escândalos já vistos na área dos pequenos agricultores. E não há dúvidas de que o fator que mais contribuiu para o desvirtuamento do programa, deve ser a facilidade para a habilitação aos créditos, admitindo-se a intermediação de entidades, às vezes constituídas para fins duvidosos.
A gente torce para que as investigações sejam conduzidas de forma isenta, assegurando-se aos depoentes, aos milhares de agricultores, tomadores de financiamentos, a liberdade para manifestarem o que sabem, sem pressão e sem coação ou intimidação.