Brasil – O governo federal quer incentivar os médicos e hospitais a reduzirem o número de cesarianas via plano de saúde, pois em 84,6% se opta pela cirurgia. Para isso anunciou novas regras para as operadoras e a utilização do partograma, documento onde são registradas todas as etapas do trabalho de parto. A mudança começa a ser cobrada em julho.
O ministro da Saúde, Arthur Chioro, avisou que as operadoras de planos de saúde só podem realizar o pagamento dos procedimentos médicos mediante a apresentação do documento completo. Se analisarem o partograma e entenderem que etapas não foram seguidas, e que a cesárea era desnecessária, podem deixar de pagar o médico e a equipe. “O documento é decisivo se houver complicações. Temos de induzir uma prática mais qualificada, com menos procedimentos desnecessários.”
Os médicos afirmam que muitas vezes a escolha pela cesariana é da paciente e dizem que a tabela com o percentual de partos pode ser mal interpretada. “Isso expõe o médico. Pode se criar a ideia que seja um pior profissional por ter índice de cesariana maior”, defende Etelvino Trindade, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
A intenção do Ministério da Saúde é que a gestante espere entrar em trabalho de parto para o médico então avaliar se há indicação técnica para uma cesariana. Se não houver, a opção terá que ser pelo parto normal. “É inadmissível aceitar como normal a taxa de cesárea que nós encontramos, em especial em planos de saúde. Nós vivemos uma epidemia de cesárea. Ela não é normal, não pode ser aceita como alguma coisa que possa ser absorvida pela nossa sociedade e nós vamos ter que tratar disso de uma maneira muito objetiva”, diz Chioro.
A auxiliar de produção Rejane Severo da Silva, 22 anos, de Arroio do Meio, deu à luz três filhos da forma natural. Concorda que a mulher não deveria pensar em se submeter a uma cesariana sem necessidade. “É uma cirurgia, pode haver complicações. Sem falar que é preciso passar por anestesia e a recuperação é mais demorada”, opina.
Desde a primeira gestação, quando tinha 17 anos, quis parto normal. A gravidez sem complicações facilitou o processo. Stefany, 5 anos, Djenyfer, 3, e Brayan, 17 dias, nasceram em menos de 2 horas depois que a bolsa rompeu. “Parto normal é a melhor coisa que tem. A dor passa na hora que o bebê nasce e não volta mais.”
Ela segue o exemplo de sua mãe, que teve os seis filhos da forma natural. Já a irmã, que passou por uma cesariana, sentiu dificuldades. “Sempre ouvi falar da dor, e realmente, minha irmã não conseguia nem sentar para amamentar no primeiro dia”, lembra.
Uma cesárea e um parto normal
A assistente administrativo financeiro Taciane Raquel Rockenbach, 31 anos, é mãe de Matias Gerhardt, 2 anos e 9 meses, e Murilo Gerhardt, 28 dias. Matias nasceu de cesariana por necessidade. Seria parto normal, já que estava encaixado. Mas, numa quinta-feira à noite, com 38 semanas de gestação, ele se mexeu muito e Taciane sentiu muita dor nas costas. Na sexta-feira ela consultou sua obstetra e descobriu que os batimentos cardíacos do bebê estavam fracos. “No mesmo momento ela me disse que teria que fazer a cesária logo e me mandou ir direto para o hospital.”
Ela ficou assustada na hora, mas sabia que era para o bem do filho. A cirurgia ocorreu bem, mas o Matias estava enrolado no cordão umbilical, por isso que os batimentos estavam fracos. “Ele ficou 2 dias na UTI. Mas graças a Deus deu tudo certo e sempre foi uma criança saudável e forte.”
Murilo veio ao mundo de parto normal. Na última consulta obstétrica a barriga já havia baixado e o bebê estava encaixado. Com 35 semanas e 5 dias, às 23h15min, rompeu a bolsa. O menino nasceu no dia seguinte, às 13h33min, saudável.
Taciane conta que nas duas gestações a obstetra lhe deixou à vontade e respeitou sua escolha. Como passou pelas duas experiências ela avalia que o parto normal foi muito melhor e a recuperação bem mais rápida que a cesariana. “Fiquei com o Murilo desde o momento que ele nasceu e já consegui amamentá-lo sem dor, é muito bom. Na cesariana a recuperação é mais demorada devido à cirurgia, sem contar que não consegui dar a atenção necessária ao filho recém-nascido”, recorda.
Se tivesse outro filho ela optaria pelo parto normal, devido à rapidez na recuperação, podendo ter o filho e amamentar logo depois do parto. “É uma sensação maravilhosa, sem contar que a criança nasce ao natural.” Taciane considera a preocupação do governo compreensível, pois hoje as mulheres têm muito medo do parto normal, optando desde o início da gestação pela cesárea. “E também um pouco falta a preocupação dos médicos em explicar como funciona cada parto e deixar as mulheres mais tranquilas”, avalia.
Mais regras
As operadoras de plano de saúde serão obrigadas a informar à paciente que solicitar o número de cesarianas realizadas por médico, operadora e hospital em até 15 dias. A ideia é que tendo essas informações a mulher possa analisar o histórico do médico e da casa de saúde, ajudando na opção do tipo de parto. As operadoras que não cederem os dados quando solicitadas pela gestante serão multadas em R$ 25 mil.
Sobre o partograma
Segundo o ministro, o preenchimento do partograma deverá seguir padrão estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No documento, um gráfico registra a evolução do trabalho de parto e mostra dados como a frequência das contrações, dilatação e o estado do bebê. O instrumento daria maior segurança para a decisão sobre o parto entre o médico e a gestante, que estaria melhor orientada sobre possíveis riscos.
Muito aquém do ideal
Ao todo, 84,6% dos partos realizados no Brasil com planos de saúde são cesáreos. No Sistema Único de Saúde (SUS) são 40%. No país, somando rede pública e privada, a cesariana representa 55,6% do total dos nascimentos. A recomendação da OMS é que 15% dos partos sejam realizados por cesariana, considerada a porcentagem de situações de risco à mãe ou ao bebê.
No Hospital São José, em Arroio do Meio, foram realizados 263 partos em 2014. Destes 251 foram feitos por cesariana (82 por convênios privados e 169 por convênios de prefeituras) e apenas 12 foram partos normais, todos via SUS.
Segundo o Ministério da Saúde, a cesariana, quando não há indicação médica, aumenta em 120 vezes o risco de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Ao todo, cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no país estão relacionados à prematuridade.