Na terça-feira, 27 de janeiro, completou dois anos da tragédia na Boate Kiss, em Santa Maria. No local morreram 235 jovens, sendo a maioria por asfixia e outros sete faleceram nos meses seguintes não resistindo às sequelas, totalizando 242 vítimas. Além disso mais de 630 ficaram feridos. Destes 400 ainda precisam de acompanhamento médico.
Em Forqueta, um dos sobreviventes, Joel Berwanger, 20 anos, está passando as férias com a família e amigos. O estudante de Agronomia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) está no sétimo semestre com previsão de formatura para janeiro de 2017.
Para ele, o mais difícil foi voltar à rotina no retorno das aulas, em abril de 2013. Dez dos amigos que fez na faculdade, sendo seis colegas de curso, morreram na tragédia. Três deles eram companheiros com quem convivia diariamente, pois moravam perto para um chimarrão e uma prosa sobre os estudos e a vida.
“No hospital eu não sentia tanta falta porque conversava com as enfermeiras, algumas vindas de outras regiões do país. Sempre tentei ficar com autoestima e não demonstrar sofrimento, mesmo quando era quase impossível. Imaginei que a recuperação seria mais rápida”
Segundo Berwanger, por causa da greve dos professores feita em 2012, as aulas se estenderam até janeiro de 2013. Naquele final de semana havia um campeonato de futebol e a festa de seis turmas na Boate Kiss.
“Estava no banheiro quando um amigo meu me disse para correr. Só lembro da multidão tentando sair ao mesmo tempo, mas tudo ficou trancado, e depois desmaiei lá fora. No primeiro dia no hospital estava preocupado com as provas finais e a continuação do campeonato de futebol. Quando fiquei sabendo que iriam transferir a rodada em um mês. Acabei ficando 55 dias internado. Não fui tão afetado como os outros.
Sofri queimaduras em 15% do corpo, no braço e nas costas. Como eram de terceiro grau não senti tanta dor, porém, as lesões atingiram os nervos e o sistema sanguíneo. Só senti dor nas queimaduras superficiais. Só fui submetido a cirurgias após uma semana, após a eliminação de toxinas do pulmão. Os procedimentos ocorriam a cada três dias, envolviam raspagens nos locais afetados por materiais tóxicos.
Precisei usar uma malha compressora para manter cicatrizes niveladas. Inicialmente tomava cuidados com a movimentação e principalmente com o sol. Ainda faço fisioterapia pulmonar. Acho que os pulmões estão normais, mas é difícil ter uma noção real de como está o corpo, embora que nos últimos exames consta que está tudo ok. Só meu condicionamento físico ainda não é o mesmo devido ao tempo que fiquei parado me recuperando”.
Nas férias Joel tem ajudado o pai José, 54 anos e a mãe Gladis, 52 anos, na lida da propriedade, que tem como carro chefe a bovinocultura de leite. Enquanto isso também mata um pouco da saudade das irmãs Débora, 22 anos e Denise 17 anos, e joga futebol com os amigos.
Em março o estudante volta para o campus da UFSM, em Camobi, Santa Maria, para se dedicar ao curso de Agronomia. O jovem ainda não definiu se seguirá carreira na iniciação científica ou se prestará concurso público, devido a alta demanda por profissionais no segmento. Segundo ele, na universidade se evita tocar no assunto da tragédia.
“Participamos da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia, mas devido a distância não conseguimos estar presentes em todas as manifestações”, revela a mãe Gladis.
Durante a semana, emoção e pedidos de justiça marcaram as atividades de homenagens alusivas ao fato que chocou o país. Familiares e amigos das vítimas fizeram manifestações na Praça Saldanha Marinho.
Relembre o fato
O fogo teve início durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira e se espalhou rapidamente pela casa noturna, localizada na rua dos Andradas, 1.925.
O local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é que mais de 800 estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, foram: o material empregado para isolamento acústico (espuma irregular), uso de sinalizador em ambiente fechado, saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de ar inadequada.
Julgamento
Ainda estão em andamento os processos criminais contra oito réus, sendo quatro por homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e os outros quatro por falso testemunho e fraude processual.
Atualmente, o processo criminal ainda está em fase de instrução. Após ouvir mais de 100 pessoas arroladas como vítimas, a Justiça está em fase de recolher depoimentos das testemunhas. As testemunhas de acusação já foram ouvidas e agora são ouvidas as testemunhas de defesa. Os réus serão os últimos a falar.
No dia 5 de dezembro de 2014, o Ministério Público (MP) denunciou 43 pessoas por crimes como falsidade ideológica, fraude processual e falso testemunho. Essas denúncias tiveram como base o inquérito policial que investigou a falsificação de assinaturas e outros documentos para permitir a abertura da boate junto à prefeitura.