Na manhã de terça-feira, dia 14, foi deflagrada a 12ª etapa da Operação Leite Compen$ado, nas cidades de Nova Araçá, Casca, Marau, Estrela e Travesseiro. O Ministério Público cumpriu cinco mandados de prisão, sendo dois no Vale do Taquari, e quatro de busca e apreensão.
Em Travesseiro o alvo foi a Indústria de Laticínios Rancho Belo Ltda, localizada em Picada Felipe Essig. Na sede da empresa, de acordo com os promotores de Justiça, Mauro Rockenbach e Alcindo Luz Bastos da Silva Filho, não foi encontrado produto vencido ou adulterado. Lá, investigadores procuravam possíveis laudos manipulados e outros documentos.
A operação foi realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – Gaeco Segurança Alimentar, com participação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Receita Estadual e Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).
Além da prisão preventiva do proprietário Eduardo Grave, o empreendimento teve as atividades suspensas pela Fepam em virtude de irregularidades na Licença de Operação e inadequação de descarte de resíduos, entre outros problemas verificados. Segundo os promotores, o empreendimento tinha alvará municipal, quando o tamanho da área exige que tal documento seja expedido pelo Estado. Até o fechamento desta edição Grave continuava detido no Presídio Estadual de Bela Vista.
O advogado Ronaldo José Eckhardt, procurador de Grave, disse que seu cliente deve ser ouvido ainda hoje ou nos próximos dias, junto com outros funcionários que foram intimados a depor. “Ele estava em Porto Alegre, e voltou para colaborar com as investigações, inclusive entregou seu computador pessoal”, explica. O advogado reitera que o cliente está tranquilo e nega qualquer irregularidade.
No decorrer da semana os responsáveis pela empresa fizeram os ajustes apontados e ainda na tarde de hoje encaminharão documentação na sede da Fepam de Porto Alegre, para renovação do licenciamento de operação e garantir a reabertura da fábrica o mais rápido possível.
PRODUTOS FORA DOS PADRÕES
As investigações que culminaram com a operação apontam crime organizado e de comercialização de produto lácteo impróprio para o consumo humano (pela nocividade ou pela redução do valor nutricional) envolvendo as empresas investigadas. Dois dos alvos de prisão preventiva já haviam sido denunciados em outras operações do MP, por sonegação fiscal milionária.
Na prática, os laticínios recebiam e repassavam, entre si, leite cru, creme de leite e soro de creme fora dos padrões previstos pela legislação brasileira. Muitas das cargas eram refugadas por outras empresas e acabavam sendo direcionadas para estas indústrias.
Em uma das escutas dois suspeitos falam sobre o destino de uma carga de “creme podre”. Um dos investigados responde: “pra Rancho Belo”. O outro interlocutor então questiona: “e aceitam lá daquele jeito?”. A resposta é breve. “Lá aceitam de qualquer jeito. Até creme pegando fogo”.
Em mais de dez Certificados Técnicos de Análise emitidos pelo Mapa realizados em leite cru, leite UHT e nata, o Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro) detectou índices fora dos padrões. Conforme as investigações, os sócios-proprietários das empresas ordenavam a adição desses produtos para corrigir a acidez e eliminar micro-organismos, no intuito de “rejuvenescer” o produto já vencido, impróprio para o consumo. No caso da água, ela era adicionada para que o creme de leite duro, já amanteigado, fosse novamente amolecido e misturado a outras cargas em condições melhores. Os laudos realizados pelas próprias empresas eram mascarados, para que tanto a fiscalização quanto os compradores não visualizassem os problemas.
IMPORTÂNCIA DA EMPRESA PARA O MUNICÍPIO
O anúncio da vinda da Rancho Belo pelo então prefeito Ricardo Rockenbach, atendia a diversificação da economia, geração de emprego e renda, e era importante para o escoamento da produção dos agricultores, que sofriam com o fechamento e consequentemente com calote de indústrias na região.
O município cedeu área, executou a terraplanagem e liberou mais verba para dinamitar o solo. O incentivo girou em torno de R$ 500 mil. Antes de entrar em operação, foram cerca de dois anos de burocracia, especialmente em questões ambientais. O investimento em estrutura, maquinário e equipamento foi de aproximadamente a R$ 1,5 milhão.
Em 2016 a empresa faturou R$ 20,73 milhões, gerando R$ 2 milhões em impostos para o orçamento do município. Além disso, era posto de trabalho direto e indireto para 30 profissionais. A fábrica recebia em média 35 mil litros de leite por dia fornecido por cerca de 200 produtores da microrregião.
A empresa fabricava leite UHT integral envazado pela marca dos supermercados Dia%, além de leite, queijo e creme de leite da marca Rancho Belo, comercializados nos vales do Taquari e Rio Pardo, Serra Gaúcha e Região Metropolitana.
PROBLEMAS SOMENTE NO CREME DE LEITE
Em nota, a direção da Rancho Belo criticou a divulgação distorcida dos fatos. Esclarece que publicamente não há nenhum tipo de restrição ou interdição quanto aos produtos leite UHT marcas Rancho Belo e Marca Dia% e queijo Rancho Belo, informação que pode ser confirmada junto ao Ministério da Agricultura, inclusive nos pronunciamentos à imprensa, do Chefe do Serviço de Inspeção do Mapa, Leonardo Isolan. A empresa disse entender a preocupação dos parceiros e produtores, mas reafirma seu compromisso com a qualidade dos seus procedimentos e dos seus produtos.
A fábrica recebeu apenas termo de interdição que se refere exclusivamente ao recebimento e expedição de Creme de Leite, devido ao fato de a matéria-prima ser oriunda de outras empresas sob investigação, sendo que esta linha de produção era direcionada exclusivamente para fins industriais e não ao consumidor final.
Destaca ainda que a Rancho Belo, empresa de pequeno porte, recebe fiscalização e monitoramento periódico de todos os órgãos fiscalizadores, estando assim totalmente apta para continuar todo o processo de industrialização e comercialização atual, da marca própria Rancho Belo e Dia%, produtos estes que possuem toda a qualidade necessária para o consumo.
A Rancho Belo reitera que jamais cometeu fraude ou adulteração em seus produtos e que irá contribuir com as investigações para que sejam apurados os fatos.