A Páscoa é a data na qual se celebra a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. Considerado um dos períodos mais significativos do ano para os cristãos, é também uma data amplamente explorada em termos comerciais. Chocolates e coelhos estão por toda a parte. Mas será que os bens de consumo conseguem preencher os vazios existenciais e fazer com que as pessoas esqueçam as dificuldades do dia a dia? Para falar sobre o tema, o AT entrevistou o padre Ezequiel Dal Pozzo, colunista que propõe uma reflexão a partir dos seus artigos publicados semanalmente.
AT – Cada vez mais a sociedade tem convertido em datas comerciais, as datas festivas da Igreja. A Páscoa, por exemplo, tem sido mais lembrada pelo coelhinho e pelos chocolates do que pela morte e ressurreição de Jesus. Por que chegamos neste ponto? É possível revertê-lo?
Padre Ezequiel Dal Pozzo – A sociedade tem seu sistema próprio de funcionamento. Sabemos que o mercado, a economia, o dinheiro são as forças propulsoras em nossa sociedade. Nós não conseguimos negar e nem podemos negar essa força. O desenvolvimento precisa do trabalho, da produção e da venda dos produtos. Isso nós sabemos o que significa. E as pessoas não querem ver as empresas fechando, mas produzindo, vendendo, pagando os salários e dando poder de compra ao trabalhador. Claro que neste cenário temos aquilo que se pode chamar de justa-medida. Onde está a justa-medida do consumo? Sabemos que muitas pessoas vivem vazias e buscam no consumo uma satisfação. Mas isso tende a produzir um vazio ainda maior. Vazio interior se preenche com amor e não com produtos. A Páscoa é uma oportunidade mais que especial para preenchermos a nossa vida com algo que tem valor, que é duradouro e é uma fonte de sentido. Quem vai percorrendo com a Igreja os últimos dias da vida de Jesus, passando pela Paixão e Cruz, até a Ressurreição, encontra aí um “combustível” para seguir em frente. Perder essa oportunidade preocupando-se somente em compras é deixar o trem passar e perder a oportunidade de fazermos uma bela viagem. Por isso, diante da pergunta, podemos dizer que a Igreja não precisa brigar com a sociedade de consumo. Isso não leva a lugar nenhum. O que ela precisa fazer é apresentar, para quem quiser o conteúdo maravilhoso da Páscoa, que é a entrega e a vitória de Jesus a toda humanidade, por amor.
AT – Com o consumismo cada vez mais desenfreado, qual é a saída para se manter centrado no ser e não cair na cilada de correr atrás somente de bens materiais?
Padre Ezequiel – Atualmente manter-se centrado no fundamental ou no essencial não é fácil. Não depende também de uma única atitude. A vida nos joga para todos os lados se não temos atenção a nós mesmos. Por isso, precisamos nos perguntar continuamente: para mim o que é importante mesmo na vida? Quem são as pessoas mais importantes que eu não posso ferir e abandonar? O que preciso fazer para manter o meu coração em paz? Eu acredito que perguntas assim podem nos orientar para o fundamental, para dentro de nós mesmos. Muitas pessoas buscam muitas coisas, estão sempre angustiadas e não olham para dentro de si mesmo. Não fazem o processo fundamental de conhecer-se e aceitar-se. “Conhece-te a ti mesmo” dizia o filósofo Sócrates. Quando fazemos isso não consumimos nada desenfreadamente ou exageradamente.
AT – A Páscoa é uma festa cristã que celebra a ressurreição, a vitória da vida sobre a morte. Todos os dias pessoas são “condenadas” à morte pela violência que cresce de forma assustadora. Por que vivemos essa onda de violência com tamanha banalização da vida? O que o senhor diria para as famílias das pessoas que são vítimas de violência?
Padre Ezequiel – A violência é um tema que atinge a todos e não tem uma única causa. Todos nós podemos ser vítimas da violência e, se não cuidamos, podemos praticar violência. Eu creio que a educação é um meio muito eficaz de combate à violência. Quando a pessoa aprende a respeitar o outro nas diferenças, sabe que precisa conviver e que o outro não é seu concorrente, mas companheiro de uma única caminhada, eu creio, que então a violência diminui. A psicologia fala que atrás de alguém que fere há uma pessoa ferida. Pessoas que foram muito feridas tendem a ferir. Por isso, o nosso trabalho deve ser de evitar ao máximo que pessoas se firam, desde crianças. Ambientes, famílias, escolas, pessoas acolhedoras tendem a ser o melhor remédio contra a violência. Onde a vida é muito ferida perde-se o respeito e a vida do outro passa a ter pouco valor. Por isso, aquela ideia atrasada de que devíamos matar os bandidos, como muitos ainda tendem a afirmar é péssima e tem conhecimento fraco da vida humana. O remédio é eliminarmos ao máximo toda e qualquer atitude violenta. Repudiarmos a violência. Só a partir de uma cultura de paz e de encontro, como nos diz o papa Francisco, poderemos ir mudando a história.
AT – O Brasil vive dias complicados em termos políticos, econômicos e sociais. Como a Igreja pode auxiliar na construção de um novo caminho?
Padre Ezequiel – O Brasil parece ter construído uma cultura da vantagem. Cada um quer tirar vantagem sobre o outro. Claro que isso não está em todas as pessoas, mas parece como uma prática muito comum. Nisso, aparece corrupções, corruptos e corruptores em todas as áreas. Ficamos apavorados com isso e a nossa tendência é dizer: ‘aquele sim é corrupto’. Parece que precisamos dar nome aos bois. Mas o que se percebe é que nomear a todos não conseguimos, exatamente pela cultura da vantagem. Diante disso, o que cada um precisa fazer é investigar sua consciência. Nessa investigação da consciência é fácil percebermos onde nós queremos ganhar vantagem. É não esperar na fila; é ultrapassar pela direita; é não devolver o troco a pessoa que se enganou; enfim, a lista prossegue. Na mesma linha, podemos ir educando as crianças e jovens para que percebam que roubar é feio e que não se deve, em hipótese alguma, roubar. Se não aproveitarmos a crise brasileira para fazermos essa mudança em nós e naqueles que podemos ajudar, será muito lamentável. Mais uma vez perdemos tempo e deveremos continuar assumindo as consequências de nossos próprios atos. Feliz Páscoa a todos.