Rodeada pelas trufas, coelhos e ovos de chocolate que ajudou a moldar, Bernadete Both lembra de toda a magia que a Páscoa despertava na sua infância. Ainda tem muito presente na sua memória a preparação para a data. A mãe Alvina Leonitta Kuhn incentivava para que Bernadete e os oito irmãos tivessem uma Páscoa diferente, cheia de simbologia, vivida na sua essência, com lembranças e sabores próprios.
Enquanto fala de como era a Páscoa na casa dos pais Alvina e Otvino, há mais de 50 anos, não esconde a emoção de revisitar o passado e em vários momentos os olhos ficam marejados d’água. Lembra de como a mãe deixava os irmãos felizes com um simples ovinho de chocolate. “A mãe dizia para nós fazermos um ninho, com grama, enquanto ela costurava. Caprichávamos, fazíamos um ninho redondo, bonito. No outro dia cedo íamos olhar para ver se o coelho tinha passado. Encontrávamos os ninhos cobertos de grama e embaixo sempre tinha uma coisa. Ficávamos tão felizes com aquele ovinho”, conta, revelando que se questiona sobre como a mãe conseguia fazer isso, já que ela vivia atarefada e a família não possuía boas condições financeiras.
Mesmo sem ter respostas, Bernadete sabe que foi esta mistura de fantasia, simbolismo e amor, que faz todas as Páscoas terem um gostinho de infância. Além do ninho na grama, as crianças preparavam cestas enfeitadas com papel recortado em forma de babado e não deixavam o lado religioso de lado. A Sexta-Feira Santa era um dia de muito respeito e silêncio e seguia todo um ritual. A primeira ação do dia era lavar os olhos na água do arroio antes do sol nascer a fim de evitar problemas de visão. Em seguida o pai colhia chá de macela. Ao meio-dia saboreavam peixes, sopa de leite e os sonhos que a mãe havia começado a preparar ainda na noite anterior.
As lembranças atreladas àqueles sonhos da infância e juventude são tão fortes que até hoje Bernadete mantém a tradição. Mesmo depois de casada com Elemar, manteve o hábito de ir na casa dos pais, em Cairu, para comer o tradicional sonho da Sexta-Feira Santa preparado pela mãe. Com o início das atividades da Requinte Chocolatteria não pôde mais ir até Cairu na data, mas os sonhos sempre chegaram até sua casa. “Minha irmã sempre trazia para mim porque sabia que eu gostava. Hoje a mãe não vive mais, mas o ritual continua. Encomendo muitos sonhos da padaria e distribuo para todos os funcionários. Não perdi o costume da Sexta-Feira Santa por que a mãe fazia esses sonhos com tanto carinho. Preparava a massa na quinta de noite, deixava crescer e na sexta fritava na banha com cuidado para ficar no ponto certo do crescimento e depois passava açúcar. Isso era muito bom. Uma coisa simples, mas que marcou muito”.
Assim como os sonhos, o pão de mel (lebkuchen) também deixou marcas. Tanto que os pães de mel produzidos para a loja são produzidos a partir da receita da sua mãe. “Testei várias receitas, mas nenhuma ficava tão boa como os daquela época”, relata, contando que a mãe gostava de inovar, como escrever o nome dos filhos no pão de mel. “Acho que dali veio a minha vontade de fazer coisas diferentes, ovos decorados, com escrita, vários tipos de chocolates. Quero sempre ter uma opção a mais para o cliente”.
Bernadete observa que muito além dos sabores, a Sexta-Feira Santa e própria Páscoa, lembram o amor e a união da família, necessários em qualquer época. “Se não há união na família a Páscoa não tem sentido. Na nossa família sempre tinha muitas pessoas para comer. Não tínhamos muito, mas sempre dava para todos. Não tínhamos dinheiro, nem energia elétrica na época, mas isso nunca fez falta. Tínhamos dificuldades, mas nunca houve mau humor na nossa casa. Tínhamos o amor da família, dos pais e dos irmãos. Hoje eu vejo que a mãe fazia a nossa Páscoa ser tão especial com tão pouco que me emociono. Ela fazia coisas simples, mas que se tornaram tão especiais que ficaram para sempre na minha memória”.