PANC-se! A mudança começa pela comida.
Já pensou em pão de bertalha, sopa de picão-preto, beldroega refogada, arroz com caruru, petisco de tansagem, salada de capuchinha, geleia de trevo?
PANCs são Plantas Alimentícias Não Convencionais, ou seja: podem ser utilizadas na nossa alimentação. Porém não estamos acostumados ou “convencionados” a isso. O uso do termo se refere ainda à utilização de partes normalmente desprezadas das plantas, como raízes, caule e flores.
Nossa alimentação, especialmente aqui no ocidente, é majoritariamente fundamentada em quatro espécies vegetais: milho, trigo, arroz, soja, destinados diretamente a nossa mesa ou para a produção de ração para os animais que nos fornecem carne, leite, ovos. Essas plantas são cultivadas comercialmente de forma muito semelhante: lavouras extensas de monocultura, trabalho essencialmente mecanizado, “pacote tecnológico” (semente + insumos) adquirido de grandes conglomerados multinacionais, incluindo aí uma grande quantidade de agrotóxicos, sabidamente prejudicando o meio ambiente e, mais diretamente, nos intoxicando. Mesmo a produção de frutas e hortaliças está em geral baseada em poucas espécies (que também foram “domesticadas”, geneticamente modificadas pelos seres humanos por anos de observação, seleção e cruzamento) cultivadas de maneira incompatível com a saúde do meio ambiente – que inclui os seres humanos, produtores e consumidores.
Por outro lado as PANCs são, geralmente, vegetais de brotação espontânea. São rústicas, resistentes, sendo portanto de fácil cultivo e manutenção. Na sua grande maioria são espécies que consideramos pragas, ervas daninhas, inços e o seu combate é uma das principais razões para a utilização de produtos tóxicos na agricultura, os famigerados (e caros) herbicidas. E isso não só nas lavouras; o incômodo com essas plantas também é obsessão no ambiente urbano, nos pátios, calçadas, gramados, terrenos baldios. Ou seja: gastamos tempo, energia, dinheiro, poluímos o meio ambiente e nos expomos ao contato com tóxicos reconhecidamente perigosos para exterminar…COMIDA!
E não é de qualquer comida que estamos falando. Pesquisas apontam espécies com altos teores de vitaminas, minerais, proteínas. A “Ora-pró-nóbis” era conhecida popularmente como “carne de pobre”, e a beldroega apresenta índices de ômega 3 mais expressivos do que alguns peixes que são considerados fonte reconhecida da substância. E os estudos na área estão apenas começando. Há um universo por descobrir e não só em termos nutricionais. É um universo de cores e sabores, de práticas culinárias e experiências gastronômicas que nos enriquece culturalmente. Estamos acostumados a apenas comprar esse tipo de experiência, mas ela está ali, gratuitamente disponível, oferta a um palmo da sua mão.
Estou sugerindo que você saia por aí comendo tudo o que brota na sua calçada? Não! Não faça isso! Primeiro se informe, pesquise, estude, identifique, depois experimente!
Por onde começar?
Livros: o melhor livro sobre o assunto no Brasil ainda é, sem dúvida, o trabalho do professor Valdely Kinnupp, possivelmente o maior pesquisador brasileiro na área, e Harri Lorenzi; “Plantas Alimentícias Não Convencionais-Panc No Brasil“ é um compêndio com fotos didáticas e ilustrativas para facilitar a correta identificação das espécies. Traz ainda informações sobre as plantas (inclusive nutricionais) e, o mais importante: algumas receitas com cada espécie, reforçando o incentivo ao seu consumo. Pode ser adquirido pela internet (Editora Plantarum) e também está disponível da biblioteca da Univates.
Internet: colocando o termo PANCs (ou, em inglês “edible weeds”) no “Google” traz muita informação; dos nacionais sugiro o “Matos de Comer” (http://www.matosdecomer.com.br/) e o “Come-se” (http://come-se.blogspot.com.br/), que trazem também informações importantes para identificação e coleta das PANCs e, mais ainda, seu consumo, já que são ambos sites de receitas utilizando esses ingredientes inovadores. Os mesmos termos lançados no Youtube também trarão inúmeros vídeos sobre o assunto, desde entusiastas amadores até vídeos mais técnicos, como por exemplo da EMBRAPA, que também disponibiliza para download gratuito um manual de cultivo neste endereço:http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/file/vegetal/Qualidade/Qualidade%20dos%20Alimentos/Cartilha%20Hortali%C3%A7as_nao-convencionais.pdf. Para os adeptos das mídias sociais, indico grupos de discussão sobre o tema no Facebook. São excelentes para buscar identificação correta das plantas e trocar receitas. Porém, cautela com as informações disseminadas ali, nem sempre elas estão corretas. Utilize essa fonte como conhecimento complementar, sempre verifique!
Link das pancaminhadas: https://www.facebook.com/pancaminhadas/?ref=br_rs
O tema anda em alta e existem muitas oportunidades, é só ficar atento.
Menos calorias e mais natureza nas refeições
Estudos apontam que nos alimentamos apenas com 1% das plantas que eram comidas por nossos tataravós. Segundo a ONU, o número de vegetais consumidos pelos humanos caiu de 10 mil para 170 nos últimos 100 anos. No entanto, existe um movimento ambientalista no mundo inteiro e também no Brasil, que procura desmistificar e esclarecer quais são as espécies, suas propriedades nutricionais e como podem ser consumidas.
Aqui no Vale do Taquari não é diferente. De acordo com a escritora Franciele Spohr, e estudante de Desenvolvimento Rural, as Plantas Alimentícias Não Convencionais (Pancs) estão por toda a parte, desde os fundos de quintal, às áreas verdes e terrenos baldios e muitas vezes são confundidas com espécies daninhas ou tóxicas.
Sua busca por estes alimentos ‘mais selvagens’ teve início logo após ter sofrido um rompimento de ligamento do joelho e por seu médico ter recomendado uma cirurgia de redução de estômago. “Ele disse que duvidava que eu perderia peso por conta própria, e não se diz isso para uma alemoa teimosa”, brinca, complementando que não é preciso deixar de comer e sim, diversificar a alimentação.
O exercício de repensar e selecionar uma comida menos calórica, a fez experimentar coisas novas, se reaproximar com a terra, a natureza e consumir alimentos com mais nutrientes, saborosos e estimulantes. As opções vão desde resgatar variedades nativas – deixadas de lado em decorrência do costume em consumir alimentos domesticados, impostos pela indústria alimentícia e agrotóxicos – e analisar as folhas, brotos, raízes e frutos sob outra perspectiva.
“Quem nunca, quando criança, da geração nascida antes da década de 1990, comeu o brotinho do trevo, o azedinho, ou bulbo de sementes de algumas flores. O mamão verde, por exemplo, pode servir como legume e seu tronco para preparo de doces. Da mesma forma o broto do chuchu e suas folhinhas também são comestíveis. As cactáceas tem até 30% de proteínas. A uva japonesa, que é ótima contra a ressaca, pode ser fermentada. Até os inços são comida. O picão, não serve só como chá, pode ser refogado, por isso é ilógico matar comida com herbicidas. Já nascem porque é uma maneira da natureza recuperar aqueles solos. São evidências de um ambiente perturbado”.
Franciele explica que há mais de 20 mil plantas comestíveis em nosso bioma e se consome em média apenas 40. Geralmente as domesticadas possuem mais amido e não nutrem tanto como as selvagens. Entretanto, nosso paladar também é domesticado, estamos inseridos numa cultura social onde não existe almoço grátis e sem sacrifício não haverá ganho. Porém, ressalva que assim como as dúvidas com as Pancs, os alimentos tradicionais adquiridos impulsivamente em muitos casos também não são seguros ou ideais.
O xis da questão está na identificação e coleta das Pancs. Elas também possuem época de colheita e caraterísticas de consumo. Há pelo menos 400 espécies testadas com receitas. Outro detalhe são as condições do habitat onde os alimentos são coletados. Deve se evitar locais com lixo orgânico e tóxico. No máximo colher para replantar as novas mudas.
Como referência, a entusiasta usa a obra do Biólogo e Botânico, Valdely Ferreira Kinupp, maior pesquisador e divulgador de alimentos vegetais não convencionais, recursos genéticos vegetais, segurança alimentar, florística, olericultura (hortaliças não convencionais) e agroecologia do Brasil, que em julho estará em Lajeado num evento sobre o tema.
Há cerca de dois anos a escritora tem se dedicado a oficinas ministradas em eventos e escolas, como o das flores comestíveis, e o projeto de Pancs Caminhadas, onde grupos fazem o exercício de andar na natureza e reconhecer alimentos. “Já estão mais presentes na gastronomia. A physales e a pimenta rosa são exemplos de alimentos caros que crescem com facilidade em qualquer local. A ora pro vorbis já é muito consumida em Minas Gerais. Além de outras variedades terem sofrido preconceito, para sair fora do nosso cardápio. Minha esperança é que a gourmetização das pancs atinja as classes sociais mais baixas que realmente precisam da soberania destes alimentos, pois a alimentação compromete muito o orçamento das famílias de baixa renda. Deveriam haver políticas públicas para democratizar o acesso a essa comida. Começando pelo planejamento paisagístico incluindo o plantio de nativas frutíferas em áreas direcionadas apenas para gramados”, conclui.
Franciele é natural de Arroio do Meio, filha de Marlene Isabela Bruxel Spohr e José Carlos Spohr.
“Em algum momento a humanidade passou a produzir alimentos com mais calorias do que necessárias e se perdeu o instinto da busca na natureza”
Nabo forrageiro (Raphanus sativus) – muito comum como nas plantações, considerado erva daninha, no entanto bastante saboroso com sabor característico por possuir óleo de mostarda (que tem ação antimicrobiana e protetora contra doenças degenerativas) as folhas jovens podem ser usadas cruas (em saladas, sanduíches) ou ainda cozidas, refogadas, etc. As flores também são uma linda decoração comestível e seus frutinhos que lembram pequenos rabanetes verdes podem ser transformados em deliciosas conservas, como minipepinhos.
Maria-gorda (Talinum paniculatum) – bastante comum em calçadas, terrenos baldios, hortas, gramados, jardins; uma das minhas pancs prediletas, por ser muito saborosa, nutritiva, resistente, rústica e segura; pode ser toda consumida, tanto crua (saladas, suco verde) como cozida em refogados, recheios, incorporada a massas e omeletes; alto teor de proteína e considerável aporte de minerais. Além das folhas, suas flores e sementinhas podem ser utilizadas nas decorações de pratos; suas raízes são utilizadas em algumas partes do mundo como tônicas e estimulantes.
brotos e flores do chuchu (Sechium edule) – apesar de fazermos uso convencional dos frutos maduros do chuchu, desperdiçamos outras potencialidades alimentícias dessa planta bastante nutritiva, rica em fibras, com baixas calorias e propriedades diuréticas; até dos seus frutos maduros é possível fazer uso dos seus brotos tenros (com folhas jovens) a que se dá o nome de cambuquira (costuma ser refogado, transformando em cozidos, acompanhamentos para carnes, etc) ou ainda de suas raízes tuberosas (essas ricas em amido). Suas flores também podem ser usadas como decoração comestível de pratos quentes e frios.
Tansagem (Plantago major) – bastante conhecida de todos como medicinal, porém pode ser toda utilizada na alimentação humana, não requerendo maiores cuidados nem preparos especiais; pode ser consumida crua (salada, sucos verdes) ou refogada, assada, empanada; suas sementes podem ser utilizadas como cereal (como a chia por exemplo) e são ricas em mucilagens excelentes para o trato digestivo, sendo ainda rica em minerais importantes para a saúde humana.
Azedinha (Oxalis sp. várias espécies do gênero) – geralmente a primeira PANC com que instintivamente tomamos contato quando criança; seu sabor provocante azedinho pode ser aproveitado em saladas cruas, ou mesmo transformada em uma deliciosa e diferente geleia, cozendo-se uma boa quantidade de folhas com um pouco de água e açúcar a gosto.
picão-preto (Bidens pilosa) – uma verdadeira riqueza nos nossos pátios, hortas e plantações; ótima fonte de proteínas, fibras, minerais (magnésio e cobre) com atividade antioxidante notável; exerce ainda atividade nutracêutica, tendo capacidade de proteção do fígado; planta muito segura para o consumo, fácil de identificar, pode ser consumida crua ou em diversos preparos cozidos (refogados, risotos, bolinhos, omeletes); além das folhas, suas flores jovens também podem ser utilizadas para chá e refrescos.
Dente de leão (Taraxacum Officinale) – infelizmente já foi mais comum nos nosso gramados e ultimamente anda meio sumida, merecendo inclusive uma campanha para que seja mais difundida, o que podemos fazer com um sopro nas suas bolinhas de sementes voadoras; esta planta é 100% consumível e muito nutritiva, da raiz às flores; pode ser comida crua ou cozida (panquecas, refogados, omeletes, risotos, etc), pode ser transformada em chá, pode ter sua raiz tostada e transformada em uma espécie de pó de café; essas raízes, aliás, contém inulina, substância importante para diabéticos; além disso na planta encontramos altos teores minerais, vitamina C, riboflavinas, tiamina, vitamina B6.