A greve dos caminhoneiros, iniciada na segunda-feira em quase todos os estados do país, vem causando inúmeros transtornos e mostrando as duras realidades do Brasil. Em apenas três dias ficou muito evidente a dependência do transporte rodoviário e a falta de políticas governamentais que favoreçam a classe produtiva e de transportes.
Se na segunda-feira havia dúvidas sobre a capacidade de os caminhoneiros pararem o Brasil, hoje só há certezas. Ontem pela manhã, o desabastecimento de combustível, especialmente gasolina, era uma realidade em muitos postos. Em Arroio do Meio há postos onde a gasolina já tinha acabado no decorrer da quarta-feira. Nos que ainda dispunham do combustível, enormes filas.
O empresário Valmir Seibel, cujo posto fica nas margens da ERS 130, lamenta que seu estoque de combustíveis tenha acabado ainda na quarta-feira, mas apoia e considera a greve necessária. “Não queremos ninguém sem combustível, mas para nós dos postos esses consecutivos aumentos também são ruins. A cada aumento temos mais prejuízo”, afirma, destacando que já colocou o pátio do posto à disposição para o estacionamento de caminhões paralisados.
Mercadorias
O impacto da greve já é de grandes proporções. Com os caminhões retidos nos pontos de manifestação, praticamente todos os setores serão atingidos. A Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), presidida por Antônio Cesa Longo, emitiu uma nota ontem pela manhã dizendo que os supermercados possuem um estoque médio de segurança de 15 dias nos produtos não perecíveis, em que se enquadram itens de mercearia (massas, biscoitos, grãos, leite, açúcar, bebidas, farináceos, matinais, condimentos, doces, bombonière, etc.), higiene e beleza, limpeza, bazar e não alimentos em geral. “Com relação a estes produtos, não há risco de desabastecimento para o consumidor final em um curto prazo”, destaca Longo.
A situação mais preocupante recai sobre os perecíveis, que não são estocados pelos supermercados por seu curto prazo de shelf life (vida útil). “A partir dos próximos dias, se a situação não se normalizar, poderá haver desabastecimento em itens de hortifrúti, carnes, frios e laticínios refrigerados, por exemplo”, explica o presidente da Agas.
Ontem pela manhã, Vilson Horn, sócio-proprietário de um supermercado de Arroio do Meio, já previa dificuldades se a situação não fosse normalizada. Disse que a maior parte das entregas de carne e hortifrúti para o fim de semana deveriam ser feitas ontem e hoje e, caso isso não acontecer, vai haver falta de mercadorias. No tocante aos produtos da Ceasa, também chamou atenção para os valores praticados. O quilo de tomate, que no início da semana era vendido a R$ 3 já estava sendo comercializado a R$ 6. “Esperamos que volte ao normal o quanto antes, pois senão a situação vai ser muito grave. Temos um bom estoque de mercadorias, mas o de produtos perecíveis é bem menor”.
Bloqueio força categoria a aderir
A paralisação dos caminhoneiros, que começou na segunda-feira, ganhou adesão e se fortaleceu no decorrer da semana. Na manhã de quinta-feira uma barreira próxima ao acesso ao Porto de Estrela barrava veículos de grande e médio porte que trafegavam no sentido interior/capital. Por volta das 7h já não havia espaço para estacionar caminhões na rua que dá acesso ao porto e proximidades, devido ao grande número de veículos.
Organizados, alguns caminhoneiros estavam no local há mais de 24 horas, dizendo que não arredariam o pé até uma definição do governo. Sensibilizados com a causa, alguns empresários doaram alimentos. “Estou aqui desde ontem à tarde (quarta-feira) e não vamos sair enquanto não houver uma definição”, disse um caminhoneiro.
Outro manifestante que barrava veículos às margens da rodovia revelou que todo o condutor de veículo de grande e médio porte era convidado a se juntar aos demais. Aqueles que se recusavam, eram forçados a parar. “Temos algumas táticas para forçar todos a paralisar. Fechamos a estrada e não deixamos passar. Orientamos a acessar a rua lateral em direção ao porto a qual não tem saída. Depois que entram nessa direção eles se acalmam”.
Preocupado, outro caminhoneiro que foi forçado a parar disse que as barreiras são um barril de pólvora e que não há diálogo por parte daqueles que bloqueiam a rodovia. “Simplesmente obrigam a parar. Qualquer discussão mais amena pode terminar em tragédia”, alerta.
Com hortifrutigranjeiros para entregar em uma empresa de refeições coletivas em Estrela, a empresária de Arroio do Meio, Gisela Schmitz, foi obrigada a aderir a paralisação. Ela ainda tentou convencer o grupo que parava veículos de grande e médio porte, que a mercadoria precisava ser entregue, porém, não foi atendida. “Apesar de ser obrigada a parar, concordo com o movimento que é justo e válido. Pois nessas condições não tem como rodar”, fala.
Adelar Stefler, presidente da Cooperativa Vale Log, que possui 268 veículos pesados entre carretas e bitrens, fala que cada associado age de acordo com suas convicções e por isso está livre para paralisar ou não. Sobre a paralisação, reforça que a causa é justa e deve envolver não só os caminhoneiros, mas outras categorias como taxistas, agricultores, cooperativas, empresas privadas e toda a sociedade civil organizada. “O preço do diesel afeta a todos, não somente a classe dos caminhoneiros. O preço do diesel se reflete em outros setores que dependem do transporte e, dessa forma, todos pagam”.
Municípios em dificuldades
Em razão do desabastecimento de combustíveis, muitos municípios estão reduzindo ou cancelando serviços. O prefeito de Travesseiro anunciou na quarta-feira a paralisação dos serviços da secretaria de Obras e de Agricultura. Na Saúde o atendimento ficou restrito a emergências. A única exceção é a Educação que mantém as aulas e transporte normais, com restrição apenas às atividades extracurriculares.
Desde ontem à tarde a secretaria de Saúde de Marques de Souza está com a capacidade operacional reduzida por causa da falta de combustíveis. Somente são transportados pacientes em situação de urgência ou emergência. As demais consultas que precisam da utilização de veículos da prefeitura precisam ser canceladas.
Em Arroio do Meio Administração é solidária à causa e está trabalhando de forma planejada para manter os serviços essenciais, visando atender a comunidade dentro do possível.
Pouso Novo mantém os serviços normais. Na Saúde apenas haverá deslocamentos de emergência e urgência.
Nesta sexta-feira, a prefeitura de Capitão vai paralisar todas as atividades que dependem de transporte, com exceção de situações de emergência e urgência na Saúde e Obras. Às 10h haverá um manifesto na frente dos postos de combustíveis. Não haverá aulas nas escolas de Ensino Fundamental e Médio. A Educação Infantil atenderá normalmente, porém, sem transporte público de crianças. O transporte universitário e o recolhimento de lixo também estão suspensos. Na segunda-feira a Administração terá atendimento normal e fará avaliação da necessidade de novas medidas.
Agricultura
Até o fechamento desta edição, ainda não havia situações de desabastecimento de ração e falta de coleta de leite nas propriedades de Arroio do Meio. Entretanto, o secretário da Agricultura, Eloir Lohmann, revela que muitos produtores realizaram o racionamento de ração e possivelmente haverá prejuízos nos lotes de aves e suínos, e perdas no leite.
RS tem ICMS mais caro
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sugeriu diretamente aos Estados que reduzam os percentuais de ICMS que encarecem os combustíveis. O RJ e o RS possuem o ICMS mais caro nos combustíveis. De acordo com a Sulpetro R$ 1,3219 de cada litro comercializado no RS corresponde ao imposto estadual. Em regiões de SC o preço chega a ser R$ 0,65 mais barato que o preço médio do Vale do Taquari, por exemplo, em bandeiras de grandes distribuidoras.
MANIFESTAÇÃO PACÍFICA
Até o momento, na avaliação do Grupo Rodoviário da Brigada Militar (GRBM) de Encantado, as manifestações tiveram apenas cunho pacífico, com adesão de veículos de carga, incluindo utilitários, que tiveram passagem bloqueada. Em Arroio do Meio, o principal ponto foi na ERS-130, na Travessia da rua Dom Pedro II. Em casos de bloqueio à veículos de passeio, a orientação é não confrontar os manifestantes. Entretanto, quem bloquear corre risco de responder na justiça.