Não é só pelo óleo diesel que os caminhoneiros de todo Brasil decidiram parar. Os sucessivos aumentos do combustível que move o país foram apenas o estopim para que uma dura realidade viesse à tona. Todos os dias milhares de profissionais deixam suas casas e viajam país afora transportando de alimentos a materiais de saúde. Enfrentam estradas esburacadas e a falta de estrutura de todo o Brasil, seja na segurança, na saúde, na economia.
Parar com certeza não é a melhor ideia, já que todos sabem que caminhão parado não traz resultado. Mas foi a saída encontrada por muitos que se veem na estrada sem perspectivas de conseguir recursos para pagar a prestação do seu instrumento de trabalho, o caminhão. Em menos de uma semana mostraram ao país sua importância. O primeiro impacto se deu justamente no combustível. Em três dias já havia postos sem gasolina. O Governo subestimou a paralisação e demorou para pedir o seu fim, o que inflamou a população em geral que engrossou o movimento iniciado pelos caminhoneiros.
Em Arroio do Meio havia um ponto de concentração na ERS 130 desde a quarta-feira, 23. Iniciou com apenas um caminhoneiro que, sem poder viajar e ganhar dinheiro para pagar as contas, num ato de coragem, estacionou seu caminhão nas proximidades do acesso à rua Dom Pedro II. Moris Albert Kist não fazia ideia da proporção que sua atitude tomaria. Na quinta ganhou apoio do empresário que já foi caminhoneiro, Volmir Daltoé. Em pouco tempo o piquete se expandiu. Na sexta, ganhou apoio de agricultores e, desde lá só cresceu, com a participação massiva da população.
Se no início a pauta principal era o diesel, há dias ela deixou de ser. A população entendeu que é o momento de se unir em busca de mudanças e apoiou os caminhoneiros e outros profissionais que se mantiveram até o entardecer de quarta-feira (30) à beira da ERS 130. Todos os alimentos consumidos no local foram frutos de doação. Os manifestantes estavam muito organizados. Possuiam encarregados para o preparo da comida, faziam revezamento de vigilância noturna e tinham uma regra bem peculiar: não aceitavam bebidas alcoólicas ou qualquer outro tipo de drogas no local. Isso para manter o foco e evitar situações que podem ser desastrosas. Também tinham preocupação com a segurança, tanto que todos os envolvidos no trabalho de pista usavam coletes reflexivos. Cones de sinalização estavam sobre a pista e à noite queimavam pneus como forma de sinalizar aos motoristas que se deslocavam pela rodovia.
Às 6h, tocavam o hino nacional, que chegava a ser executado 40 vezes ao dia. A ideia era reavivar o patriotismo brasileiro. Na quarta-feira pela manhã salientavam, por meio dos porta-vozes Moris, Volmir e Milton Strab, que o momento é de união e que todos os caminhões que estavam no local, lá o estavam por vontade própria dos motoristas. Atentam para o fato de que todos os brasileiros, sejam caminhoneiros, empresários, empregados, agricultores e todos os que produzem, são penalizados todos os dias pela alta carga de impostos e pagam o alto custo de décadas de uma máquina pública cara, corrupta e ineficiente.
Denunciavam uma prática desleal de mercado, que exclui os motoristas autônomos e os obriga a trabalhar por um valor que mal dá para pagar as despesas. Até pouco tempo os autônomos negociavam o frete diretamente com a empresa contratante. Hoje há inúmeros agenciadores que, mesmo sem ter caminhões, negociam com as indústrias a retirada de produtos dos pátios – as vezes com um valor mais em conta – e, posteriormente, contratam os caminhoneiros autônomos para o transporte. Para estes sobra a opção de ganhar muito menos ou trabalharem para uma transportadora. “A indústria visa lucro e ela quer despachar a produção. Não está preocupada com quem vai fazer o transporte. A insatisfação dos motoristas é em geral. Somos taxados de marginais, vagabundos, drogados, que fazem desordem. Mas não é assim. Às vezes é o agricultor que vendeu sua terra e comprou um caminhão para ganhar a vida. Somos pais de família. Não existe desordem. Somos muito unidos”, frisam os representantes.
Observavam que a união é tanta que ganharam apoio de outras classes, como os agricultores, e o Governo não conseguiu desmobilizar o movimento. “O caminhoneiro se juntou ao povo, aos agricultores. Não adianta baixar o preço do diesel e deixar o da gasolina assim. Isso foi apenas uma forma do Governo desmobilizar o movimento. Tudo feito a partir de medidas provisórias, com prazo de validade e o povo vai continuar pagando”, sentenciam.
Quanto ao desabastecimento, especialmente de alimentos para animais, os porta-vozes afirmaram que o problema não era no piquete da ERS-130, onde todas as cargas com animais vivos e de ração eram liberadas: “Não podemos colocar em risco uma cadeia alimentar”. A questão era que a própria indústria não tinha mais condições de produzir ração porque carretas carregadas com milho e soja estavam paradas em pontos com bloqueios destas cargas.
Os manifestantes criticaram a postura de algumas indústrias que não apoiaram o movimento e ainda estariam tentando empurrar o prejuízo para o produtor. “Não é justo. Elas que negligenciaram os produtores. Entregaram pintos no sábado, quando já se sabia que não teria ração para alimentar esses animais. Nós humanos temos como buscar comida, mas o bicho está lá, confinado”, destacaram, salientando que a postura das empresas em não adotar rotas alternativas, onde não havia bloqueio, também interfere diretamente na situação vivida hoje em muitas granjas.
Impostos e mais impostos
O empresário Volmir, que também possui caminhões, aponta que não é só o caminhoneiro que está lutando para se manter na atividade. A pesada carga tributária brasileira afeta a toda classe produtiva, pois está embutida em tudo, da matéria-prima ao transporte do produto acabado. Ele estima que hoje a logística tenha peso de 40% no custo de produção. “Temos que clamar por mudanças. Essa luta é de todos os brasileiros”, afirma.
Objetivos e omissões
O objetivo do movimento era chamar a atenção do poder público, especialmente o federal, para a necessidade de mudanças. Exigem um posicionamento firme do presidente Michel Temer, no sentido de resolver a situação do país, o que passa por acabar com a corrupção e melhorar a máquina pública que vem sugando a população com impostos dando uma contrapartida muito aquém da necessária. “Há décadas se arrasta a falência da máquina pública. A corrupção virou praxe e o parlamento um balcão de negócios. A indústria está tentando passar o prejuízo para o produtor. Ela está sendo omissa, pois deveria, por meio da sua entidade de classe, ajudar a pressionar o Governo”, atentam.
Os custos
Para o motorista autônomo manter um caminhão trucado rodando em média 10 mil quilômetros por mês, estima-se que seja necessário um faturamento mínimo de R$ 20 mil. Cerca de 60% desse valor – R$ 12 mil – vai ser usado para o pagamento do diesel. Soma-se ainda a manutenção, os pneus, as trocas de óleo, a alimentação, o pedágio – entre R$ 1500,00 a R$ 1800,00 – e a prestação do caminhão. No fim das contas pouco sobra para quem tem de tirar o sustento deste trabalho. Se tiver um motorista contratado, a situação só piora. “A agricultura também está sofrendo. Os números que nos passaram do leite são vergonhosos, não é negócio continuar produzindo, só faz girar a indústria”, desabafaram.
Caminhos
A partir do apurado em encontro entre manifestantes, poder público municipal, entidades e indústria na terça-feira à tarde, foi definida uma pauta para a moção que o município vai encaminhar ao governo do Estado e ao governo federal. O documento elenca demandas de toda a sociedade e foi assinado na quarta-feira à tarde.
Os motoristas autônomos pleiteiam ainda uma flexibilização para que possam utilizar o CPF para emitir o manifesto de carga, o que só pode ser feito atualmente, a partir de uma empresa constituída. Eles alegam que essa flexibilização aumentaria a competitividade, já que hoje acabam sendo excluídos dos bons fretes.
Agradecimentos
Os manifestantes que estavam às margens da ERS-130, em Arroio do Meio, agradecem à Brigada Militar e à Polícia Rodoviária Estadual (PRE), à todas empresas e pessoas que doaram alimentos, café, erva-mate e demais gêneros necessários, bem como a Saneban, pela instalação de banheiros químicos. Também agradecem a todos que cooperaram na organização do movimento, aos agricultores e a população em geral que entendeu que a demanda não é só de quem está na estrada, mas de toda a sociedade brasileira. Salientam que o movimento não teve nenhum caráter sindical ou partidário e a mobilização dos caminhoneiros vai continuar. Até porque as alternativas apresentadas pelo Governo são provisórias e em 60 dias perdem a validade.