Tudo iniciou com uma viagem a trabalho para a cidade de Barão, na Serra Gaúcha. Ao furar o pneu do veículo, Jean Boni Machado, hoje barbeiro, precisou procurar por uma borracharia para prosseguir viagem. No estabelecimento de beira de estrada, alguns cães de caça faziam companhia ao homem que consertava o pneu, situação que despertou a curiosidade de Jean que quis saber mais sobre o assunto. Bastaram alguns minutos de conversa para Jean e Luiz Gustavo ficarem amigos. A razão: ambos têm em comum o gosto pela caça. “Tirei todas minhas dúvidas sobre o assunto, como adquirir uma arma e como regularizá-la, entre outros tantos”, explica o barbeiro, que correu atrás de seu objetivo.
De posse das informações, Jean saiu do estabelecimento entusiasmado e motivado a se tornar um caçador ou controlador, como são chamados aqueles que têm a finalidade de controlar o avanço desordenado de animais que danificam plantações, a exemplo dos javalis.
Jean explica que o primeiro passo foi solicitar o Certificado de Registro (CR) junto ao Exército Brasileiro e posteriormente requerer o CAC, o que torna na forma da lei um Colecionador, Atirador e Caçador.
O segundo passo foi filiar-se a um clube de tiro, realizar prova de capacitação técnica, avaliação psicológica, preencher os requerimentos, apresentar certidões negativas, cópias autenticadas de documento e ter um local adequado para guarda do acervo. A documentação pode ser feita em um despachante específico e especializado nesse tipo de demanda.
A capacitação técnica é um teste realizado por um profissional credenciado pela Polícia Federal. O teste consiste em perguntas sobre o armamento e uma prova prática onde é necessário acertar 10 tiros a 7 metros de distância em 20 segundos. A avaliação psicológica deve ser realizada por profissional autorizado e consiste na realização de vários testes, similar a um teste de motorista ou admissão em empresas. Esta avaliação possui duração aproximada de 1h30min. “O despachante agendou tudo para nós. Desde a marcação das provas, bem como a marcação da avaliação psicológica, entre outras exigências”, explica.
Após os trâmites legais, Jean e Gustavo formaram o grupo de controladores Bruto’s Java, composto por integrantes de Arroio do Meio e da Serra, em que participa também outro arroio-meense, Diego Girelli.
Sobre as caçadas, Jean explica que acontecem em fazendas particulares, e com autorização dos proprietários, que muitas vezes entram em contato com o grupo para fazer o controle dos animais que, na maioria das vezes causam prejuízos à propriedade. As caçadas acontecem nos fins de semana e duram entre dois e três dias.
Entre os destinos, municípios como Santa Margarida, próximo a São Gabriel na Campanha e cidades da Serra Gaúcha, a exemplo de Esmeralda e Bom Jesus. Jean conta que as caçadas são incertas, que podem resultar em vários animais abatidos ou até mesmo em nenhum animal capturado. “Certa vez conseguimos caçar 11 javalis. Outras vezes não caçamos nada”, revela.
Para transportar os animais carneados é necessária a realização de uma capacitação na Vigilância Sanitária que fornece lacres que devem ser afixados nos animais carneados atestando sua procedência. “Um quarto deve permanecer com pele e pelo para atestar que é um javali”, explica Jean.
As armas e munição
Para o controle do javali o grupo utiliza armas como o revólver 357, espingarda calibre 12, Winchester 44.40 e a Winchester 454. Jean conta que a munição é cara e varia entre R$ 7 e R$ 15 o cartucho, dependendo da arma e composição utilizada.
A matilha
Os cães merecem atenção especial. São transportados separadamente para não haver conflitos. Com os animais é transportada a alimentação e medicação em caso de algum animal ser ferido pelos javalis ou ocorra qualquer outro imprevisto. Entre as raças utilizadas pelo grupo estão: o Dogo Argentino, o Galgo, o Viadeiro e também vira-latas. Todos possuem funções diferentes na caçada. “Existem aqueles que acham o javali, aqueles que cercam e aqueles que imobilizam o animal. Cada cão tem a sua função”, explica.
O javali
O javali, que não é nativo e não tem predadores naturais no Brasil, é considerado uma espécie invasora pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que em 2013 regulamentou a caça como medida de controle populacional do bicho. É a única caça, aliás, permitida no país. Também conhecido como porco selvagem, é uma ameaça às lavouras, nascentes dos rios e também à saúde humana.
Reconhecido como uma espécie nociva pelo Ibama, o javali europeu foi introduzido no país a partir do início do século passado para exploração comercial. A atividade não se desenvolveu, resultando na soltura e na reprodução descontrolada dos animais, que não têm predadores naturais. Desde então, a presença de grupos de javalis já foi registrada nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Bahia e Acre.