A jornalista Isoldi Bruxel está à frente do jornal O Alto Taquari desde 1981. Iniciou como repórter e mais tarde tornou-se sócia e depois proprietária. Nesse período aconteceram muitas mudanças no que tange à tecnologia e à forma de fazer jornal. Mas o conceito de jornalismo comunitário, só foi aprimorado. Saiba mais sobre essa trajetória, na entrevista a seguir.
A senhora assumiu o AT na década de 1980. De lá para cá houve avanços consideráveis na tecnologia que alteraram a forma de se fazer jornal. Como a senhora vê esse processo? O que não mudou neste período?
Quando comecei a trabalhar no jornal, no início da década de 1980, os principais jornais do país estavam investindo em tecnologia e em mudanças nas formas de apresentar os conteúdos.
Com o advento da televisão na década de 1950, a transmissão de TV pelo sistema de cores, os jornais impressos perceberam que a apresentação gráfica também era importante. Que os jornais não podiam ser muito pesados. A divisão em seções, colunas, cadernos, também fez parte da estratégia de conquistar leitores e anunciantes. A abertura política, a partir da segunda metade da década de 1970 e entrando na década de 1980, também foi importante para consolidar esta nova fase na imprensa. No campo jornalístico, as notícias em torno dos desdobramentos políticos se tornaram mais assíduas e despertavam interesse. Embora houvesse tentativas, ou até censura, ter maior liberdade de expressão, estava no ideário de quem queria ser jornalista ou atuava na profissão.
Antes de deixar o comando, o governo de Ernesto Geisel (1974-1979) desmontou alguns controles e instrumentos autoritários que impediam a liberdade de imprensa. Mas este processo foi muito lento e gradual. Faço alusão a este cenário, porque na época ainda não havia tantos meios de comunicação como hoje, nem mesmo jornais. Quando entrei na faculdade, em 1978, e no decorrer dos anos, até que comecei a atuar profissionalmente, obviamente a gente buscava referências. A forma como os grandes jornais, a exemplo da Folha de São Paulo, produziam reportagens, criticavam as atrocidades do regime, davam espaço para a abertura democrática, bem como suas formas de diagramação, apresentação de manchetes, fotos, legendas, era motivo de pesquisa e atenção.
Mas, paralelamente, crescia a certeza da diferença entre o jornalismo nacional e estadual em relação à possibilidade de fazer jornal voltado para a comunidade. O jornalismo comunitário abria uma perspectiva de expansão e atuação. Acredito que os ventos da democracia fortaleceram este movimento.
Comecei a trabalhar n’O Alto Taquari em 1980 e me formei em 1985. O período mais prolongado na faculdade permitiu e facilitou conciliar os estudos com o trabalho. A prática e o dia a dia, a participação em seminários e congressos que reuniam outros jornais do interior do Rio Grande do Sul a exemplo do NH, Diário de Pelotas, Gazeta do Sul, Informativo do Vale, Jornal do Povo de Cachoeira, A Tribuna de Santo Ângelo entre outros, foram consolidando para mim o conceito de jornalismo comunitário. Bastava um olhar mais atento aos acontecimentos e fatos da cidade para perceber que, se os grandes jornais produziam noticiário, contavam histórias, tinham assunto, na devida proporção, nas cidades menores, também havia espaço para fazer jornalismo, ainda que de forma diferente, respeitando a realidade local.
Para o jornal O Alto Taquari, um jornalismo de qualidade, com conteúdo, responsável, comprometido com a veracidade dos fatos foi prerrogativa e norteador da linha editorial, sem esquecer que fazer jornal é um negócio. Com custos elevados, a qualidade dos produtos que no decorrer do tempo foram lançados precisavam ser de qualidade para trabalhar o lado comercial e a venda de assinaturas.
Voltando objetivamente à pergunta, podemos dizer que houve sim avanços tecnológicos na forma de fazer jornal. No início da década de 1980, a apresentação do jornal O Alto Taquari era no formato standard (jornal de tamanho de cerca de 55 centímetros, padrão que ainda é adotado por jornais do Brasil e do mundo). Em 1982 passou para tabloide, como a maioria dos jornais do Rio Grande do Sul. Outra mudança significativa foi na composição dos textos. Quando comecei ainda se fazia textos em laudas datilografadas em máquinas de escrever, que depois eram processadas em máquinas de composição que permitiam cuidar das margens e colunas. As mudanças na formatação do design gráfico incluindo tipos de composição para os textos e outro para os títulos, bem como a ilustração fotográfica foram gradativas.
Teve um período em que a composição, diagramação e formatação dos textos nas páginas, além da impressão era feita por terceiros. Quando o jornal começou a fazer a composição própria, se cortou custos. As máquinas IBM e Facit, que antecederam a era do computador, não tinham os mesmos recursos, mas representaram a viabilização do jornal, por um determinado período.
Enfim, sem entrar tanto em detalhes podemos dizer que a partir da década de 1980, com o advento dos computadores, a parte de paginação e diagramação dos jornais mudou muito. Aqui no jornal O Alto Taquari, em fevereiro de 1987 inovamos com a aquisição de uma Gepeto Composer, que tinha um terminal de vídeo e teclado, que facilitava fazer as margens, aumentar ou diminuir as fontes, através de um sistema de disquetes. Assim sucessivamente foram introduzidas outras melhorias, como a cor. A utilização de cor no jornal era esporádica, para algum trabalho especial, mas a partir de julho de 2001, a capa e contracapa começaram a circular em cor. Essa e outras mudanças no projeto gráfico, inclusive no logotipo do jornal, que ao longo dos anos foi acompanhando tendências gráficas. Desde junho de 2017, o jornal circula totalmente em cores, o que valoriza editorias e também os anunciantes.
Essas mudanças todas fazem parte da realidade dos jornais, para mantê-los atraentes. Mas, entendo que o conteúdo, principalmente numa época de fake news, de leitura curta, fácil, sem filtragem nenhuma, quando um número cada vez maior de pessoas se sente à vontade para opinar e compartilhar conteúdos, a produção de informações de credibilidade é fundamental. Neste sentido, estamos diante da possibilidade de outras plataformas de distribuição de conteúdo, além do jornal impresso, mas temos que ter responsabilidade social na distribuição de informações.
Quais são os maiores desafios para manter uma empresa ativa por tantos anos?
De uma forma geral, como fazer jornal comunitário envolve um forte papel social, há sempre desafios econômicos para manter o equilíbrio financeiro. Mas é fundamental ter uma equipe comprometida e qualificada em todos os setores, voltada aos princípios e valores do jornalismo comunitário. Estar atenta à movimentação do mercado local, regional e à conjuntura mais ampla, monitorar atentamente os custos, ser cautelosa no tipo de investimentos e saber driblar as dificuldades com muita criatividade, incluindo o lançamento de novos produtos.
Na parte comercial é importante ter uma boa equipe de vendas. Como o jornal vende espaços publicitários, é importante que o veículo (jornal, revista, caderno, guia) tenha qualidade no conteúdo e na apresentação; e represente o maior número possível da sociedade local, na sua área de abrangência. A Rejane M. Kuhn que está no comercial há cerca de 20 anos sempre diz que “ama seus clientes”. Este amor do qual ela fala, simboliza criar relação de credibilidade e confiança, ao longo do tempo, com abnegação e dedicação, para atender as necessidades do cliente. Representa conhecer a empresa, a história, dar sugestões para fazer uma campanha publicitária ou veicular um anúncio. Vibrar e compartilhar com o sucesso do cliente. No setor comercial, a interação entre os que fazem parte da equipe, também é importante, assim como no setor de artes. A Rejane destaca que os programas de designer gráfico que surgiram nos últimos anos foram ferramentas importantes para criar anúncios com impacto visual bonito. Aliados à criatividade e conhecimento da equipe que trabalha no setor qualificam e fazem toda a diferença no atendimento e satisfação do cliente, na apresentação de diferentes produtos e serviços.
Qual o papel do jornal O Alto Taquari nas comunidades em que atua?
Levantar, pesquisar, difundir, distribuir informações, iniciativas e ações que partem de diferentes setores da comunidade: educação, política, economia, história, segurança pública, agronegócio, atividades sociais, religiosas, culturais, esportivas… O jornal é informação, mas também contribui na formação de opinião, diante de temas que são importantes para a comunidade no tempo presente, lembrando o passado e projetando o futuro.
Na formação de opinião, se encontra hoje uma rede muito ampla de concorrentes, que se proliferam nas mídias digitais. Assim como elas são ferramentas que auxiliam na instantaneidade da divulgação, são efêmeras e nem sempre passam por um filtro. Muitas notícias são divulgadas sem checagem da veracidade dos fatos e, podem ser, muito superficiais. Mas é preciso salientar que o jornalista, pela sua formação,geralmente é mais criterioso na divulgação, porque se sente responsável pela informação que dá.
Penso que o jornal é um forte aliado para que o cidadão conheça a realidade de sua própria comunidade. Não se pode conhecer o mundo, sem conhecer o município onde se vive. Como vivem as pessoas, o que pensam, no que trabalham, o que estudam, como se relacionam, como empreendem, quais as dificuldades pelas quais passam, o que pensam sobre a aplicação e investimentos do poder público, o papel dos vereadores e prefeitos que escolheram ou que cidade querem para o futuro. Como está a qualidade da educação, do meio ambiente, saúde, segurança, ou qual o futuro do emprego, da viabilidade da agricultura familiar, da pequena propriedade… Como encaram e cuidam das pessoas de terceira idade, a aposentadoria ou como cuidam das crianças e adolescentes. O jornal contribui na formação de uma consciência crítica sobre os rumos da cidade, por isso deve ser crítico quando necessário, ainda que isto contrarie interesses, mas também deve ser parceiro de todas as boas iniciativas que contribuem para o desenvolvimento social, cultural e econômico das pessoas. Estou plenamente consciente de que isto não é tarefa fácil. Complexa, pela velocidade com que ocorrem as mudanças e até pelos limites pessoais. Não somos donos da verdade, mas precisamos dar o melhor de nós mesmos para que a gente possa contribuir de forma positiva nas mudanças. Seguramente, estamos vivendo e entrando em um novo ciclo, principalmente na política, no âmbito nacional, o que deverá trazer reflexos também para os municípios.
Por que é importante ler jornal nos dias atuais?
É importante ler. A leitura amplia horizontes. Ler diferentes conteúdos permite compreender a realidade, crescer no lado pessoal e profissional. A leitura diverte, informa, faz refletir… Auxilia na tomada de decisões. Quem lê consegue escrever melhor e ter um vocabulário mais dinâmico. A leitura de jornais é uma leitura fácil. Ler o jornal da cidade, como já disse anteriormente, é uma forma de conhecer a realidade em volta. Compreender e se envolver nas mudanças necessárias. Ao ler sobre a realidade que conhece, o leitor pode ter uma visão crítica, e não ingênua, como pode ocorrer ao assistir um simples programa de TV, ou uma informação da rede social, na qual não conhece todos os fatos. O jornal pode ser um instrumento a ser utilizado na escola. Muitos professores fazem isso. No caso do jornal O Alto Taquari, ao longo dos anos, temos percebido que ele sempre foi um investimento para toda a família. Em muitos lares, o jornal faz parte de um hábito semanal, como os próprios leitores relatam nas páginas seguintes. Cada integrante escolhe seus assuntos preferidos. Isto nos motiva. E mesmo que muitos digam que o jornal impresso está com os dias contados, acredito que o jornal tem um papel importante como acervo histórico e cultural com o registro dos fatos mais importantes. No jornal O Alto taquari, temos um acervo de edições desde o começo da década de 1980.
Como a senhora se sente ao ver que boa parte da história dos municípios e das pessoas foi contada nas páginas d’O Alto Taquari ao longo desses 52 anos?
De um lado me sinto bem. Acho que ao longo dessas décadas, fazer jornal foi possível pelo envolvimento direto de pessoas: planejando, organizando, escrevendo, comercializando espaços e assinaturas, diagramando, criando, fotografando, entregando jornal, cuidando da parte administrativa… Muitos colaboraram e ainda colaboram de forma voluntária. Assim conseguimos colocar nas páginas do jornal a história de muitas pessoas anônimas, mas principalmente, registrar o que de mais importante aconteceu em várias administrações públicas, o trabalho dos legislativos, as emancipações dos distritos de Pouso Novo, Capitão, Travesseiro; o início da telefonia por DDD; da era da industrialização e a consequente geração de empregos, a transformação de pequenas localidades interioranas em bairros e concentrações urbanas; a evolução social, a variedade de opções de lazer, a vida ativa das entidades comunitárias; implantação de escolas infantis, luta por escola pública estadual, transformação do ensino; a luta das mulheres rurais, mudanças sindicais, luta por melhorias como ligações asfálticas e assim por diante. Folheando ou olhando o arquivo físico dos jornais, diante do que foi escrito, existe a convicção de que sempre fomos fiéis aos princípios e valores éticos da profissão. Procuramos fazer o melhor, promover a boa vontade, apoiar e incentivar iniciativas boas em diferentes áreas sem esquecer que o jornal precisa ter autonomia e independência econômica e financeira.
Mas de outro, existe uma permanente inquietude, principalmente porque vivemos em uma sociedade dinâmica e em mudanças. Uma inquietude que advém daquilo que se visualiza como necessário e se deixa de fazer, principalmente pela falta de recursos.
Em plena época digital, um questionamento normal é sobre a vida do jornal impresso. Acreditamos plenamente no valor e na continuidade do jornal impresso. Penso que é um patrimônio importante para o município. Mas estamos cientes de que mudanças estão em curso e como tal, devemos estar abertos a elas, principalmente em relação à ampliação de plataformas digitais.
Algo mais?
Agradecer. Agradecer a Deus por nos abençoar e nos livrar de muitos males. Agradecer por nos conceder saúde e energia para seguir no trabalho.
Agradecer às centenas de leitores que ao assinar e comprar o jornal nos motivam e contribuem na viabilização da empresa, uma vez que a receita das assinaturas permite boa parte do orçamento mensal. Agradecer aos anunciantes e entidades públicas e privadas que investem e acreditam no jornal, como parceiros no negócio. Nos orgulhamos muito do grande número de empresas, lojas, estabelecimentos comerciais, prestadores de serviço, profissionais liberais, órgãos públicos, entidades sociais e comunitárias que já ocuparam e ainda ocupam as páginas do jornal, anunciando, apresentando seus serviços, produtos, história, lançamentos, inciativas, ações, empreendimentos.
Agradecer às dezenas de profissionais que já passaram pela Redação (colunistas, repórteres, fotógrafos) diagramação, composição, artes, comercialização e administração. Aos que integram a atual equipe: Redação, (uns como o Júlio de longa data, desde o começo de 1980, sempre pronto para auxiliar em qualquer setor). Aos jornalistas Solano Alexandre Linck, Jaqueline Manica, Daiane Kalsing, Luiz Fernando Foletto, que nas diferentes editorias, dividem pautas, se empenham para atender as expectativas dos leitores. Aos colunistas colaboradores, jornalistas Alécio Weizenmann, Gilberto Jasper Junior, Alício de Assunção a professora e escritora Ivete Kist, fiéis no seu espaço semanal. Designer Débora de Conto, padre Gerson Schmitt, colaboradores mais recentes. Agradecer aos que fazem a diagramação e criação, Mateus Köller, Alexandra Ferreira Gräff e Alan Dick. À equipe comercial, Rejane M. Kuhn, Franciele Cadore e Daniele Cadore e por extensão agências de publicidade. Ao setor administrativo, Marinete Herrmann e Daniela Rohr; ao setor de assinaturas e cobranças, Irineu Telöken, Juliano Schneider, Normélio Mörs, e responsável pela limpeza Iraida Locatelli.
Agradecer aos agentes de circulação e suas famílias que já passaram pelo Alto Taquari (muitos nem estão mais aqui, mas vai a homenagem à família) e os tantos que fazem parte atualmente deste setor, motoristas, entregadores, encartadores, aqui no ponto de distribuição como nos demais municípios de circulação.
Agradecer e pedir desculpas a quem deixamos de nomear nominalmente e dizer que estamos um pouco constrangidos por falar de nós mesmos – não é nossa tarefa, mas entendemos que pelo fato do nosso trabalho envolver muitas pessoas teremos a compreensão dos leitores.