Elígio Rohr, 53 anos, de Picada Arroio do Meio, demonstra preocupação e apreensão quando o assunto é a cadeia produtiva do leite. Com 30 anos dedicados à atividade, ressalta que a cada ano que passa as exigências são maiores, se referindo principalmente à Instrução Normativa 77 que estabelece novos critérios e procedimentos para a produção, acondicionamento e conservação do leite que exige investimentos por parte do produtor. Entretanto, argumenta que o preço pago pelo litro, pouco mais de R$ 1, inviabiliza investimentos de melhoria, seja no plantel ou em equipamentos. “Investimentos só são possíveis com o valor do litro a partir de R$ 1,35”, pontua.
Com 21 vacas, 14 em lactação e produzindo cerca de sete mil litros por mês, lembra que em 2011 recebia R$ 1,15 pelo litro e hoje, sete anos depois, o preço não passa de R$ 1,08. Compara os insumos para produzir o alimento a exemplo da ração que custava na época R$ 0,55 e hoje custa R$ 1,05 ao quilo.
Elígio vê com preocupação as Instruções Normativas 76 e 77 que impactam consideravelmente em toda a cadeia produtiva do leite estabelecendo critérios rígidos sobre produção e qualidade.
As INs 76 e 77 devem entrar em vigor em 30 de maio e estão mobilizando cooperativas, autoridades e produtores do Vale do Taquari que têm se mostrado preocupados com as instruções definidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). As cooperativas alertam para o impacto que essas normativas podem trazer para o setor, inviabilizando a produção em algumas propriedades, caso seja aplicada na íntegra. Nas reuniões já realizadas pelas cooperativas, documentos foram redigidos com o objetivo de modificar alguns pontos considerados cruciais para a continuidade da atividade, bem como pedindo a prorrogação das normativas.
Após ampla discussão debatendo o tema pelo interior do Estado, o assunto foi pautado na segunda-feira, 18, em reunião realizada pelo Sindilat na Federação dos Trabalhadores da Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag). Um grupo de trabalho foi formado para representar a cadeia produtiva do leite. Agora o assunto será levado à Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, no próximo dia 27 de fevereiro, às 11h, em Brasília.
A cadeia produtiva do leite do Rio Grande do Sul pedirá ao Ministério da Agricultura mais tempo para a adequação a pontos das instruções normativas 76 e 77, que trazem novas regras para a produção e a industrialização de leite no Brasil. Com a previsão de valer a partir de 30 de maio, o temor do setor é que as exigências possam afastar da atividade muitos produtores gaúchos de leite.
De acordo com o presidente do Sindicato das Indústrias de Laticínios do Rio Grande do Sul (Sindilat), Alexandre Guerra, as indústrias defendem a flexibilização, principalmente, do prazo de cumprimento dos indicadores de temperatura, de contagem bacteriana e de células somáticas do leite. “Entendemos a necessidade da melhoria contínua da qualidade do leite, mas precisamos que isso seja feito de forma gradativa para termos êxito na aplicação de atualização da INs sem excluir ninguém da atividade”, afirma.
Sobre as Normativas
A IN 76 traz os regulamentos técnicos para identidade e qualidade do leite cru, do leite pasteurizado e do leite pasteurizado tipo A e diz respeito à indústria; a IN 77 estabelece novos critérios e procedimentos para a produção, acondicionamento, conservação, transporte, seleção e recepção do leite cru em estabelecimentos registrados no serviço de inspeção oficial, substituindo a IN 62/2011, e diz respeito ao produtor. Publicadas no Diário Oficial da União em novembro de 2018, entram em vigor após 180 dias, ou seja, no dia 30 de maio.
União de esforços
A cooperativa Languiru e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Teutônia realizaram uma reunião na semana passada para debater a atividade leiteira, não só no que tange às instruções normativas 76 e 77, mas também assuntos referentes à cota de importação de leite em pó e a inconstância da política relativa ao antidumping. O presidente da cooperativa Languiru, Dirceu Bayer, salientou que a cadeia produtiva do leite enfrenta grande ameaça e é essencial a união de esforços, proporcionando vida mais digna às famílias de produtores rurais. “A mobilização coletiva é a única forma democrática que temos para provocar a mudança. Temos que ser fortes, vamos achar soluções em conjunto. Não somos contra as normativas focadas na qualidade do leite, mas alguns itens da IN 76 e IN 77 impactam consideravelmente em toda a cadeia produtiva, inclusive com a séria ameaça de que ainda mais famílias deixem a atividade, ocasionando um enorme problema social. Defendemos que alguns pontos sejam revistos e prazos prorrogados”, alertou.
O presidente também se disse preocupado com o volume de importação de leite em pó. “A entrada desenfreada de leite em pó tem grande impacto no Estado, embora o Governo Federal tenha recuado, após mobilização, com relação à queda de taxas de importação do produto de países da União Europeia e da Nova Zelândia”, disse, mencionando ainda situações de concorrência de mercado que classificou como “oportunistas” por parte de grandes indústrias do setor lácteo. “Quando o cenário é favorável, assediam os produtores das cooperativas; quando a situação é desfavorável, ‘abandonam o barco’”, resumiu.
Normativas inviabilizarão propriedades
Da mesma forma, a cooperativa Dália Alimentos mobilizou, no início do mês, lideranças ligadas à cadeia produtiva do leite para discutir as normativas IN 76 e 77. O encontro foi conduzido pelo presidente Executivo da Dália Alimentos, Carlos Alberto de Figueiredo Freitas, que explanou os principais pontos considerados inviáveis quanto à aplicação da nova legislação.
Freitas enfatizou que a cooperativa jamais será contrária às normativas que objetivam melhorar a qualidade do leite e que as leis que regem o bem da saúde pública devem ser cumpridas. Contudo, alertou para o impacto que poderá ocorrer em toda a cadeia produtiva leiteira caso a legislação seja aplicada na íntegra, ocasionando, inclusive, o encerramento da produção em várias propriedades rurais. “Não somos contrários e sempre iremos cumprir com as leis, como já estávamos fazendo de forma correta. Estamos preocupados com alguns itens da IN que poderão afetar produtores, técnicos, transportadores e indústria de forma impactante. Por isso, alguns pontos precisam ser rediscutidos e revistos”, ressaltou.