Para muitos o cemitério é apenas um local onde estão aqueles que já morreram. Mas muito mais do que guardar os que já partiram, os cemitérios são verdadeiros guardiões da história das sociedades. As sepulturas contêm características que, aos olhos mais ávidos, representam um recorte de determinada época. Desde a questão sócia-econômica até os costumes e as crenças em relação à morte. A arte tumular, que abrange o formato, as inscrições e os símbolos utilizados sobre os túmulos, diz muito sobre a forma como aquelas pessoas viviam e a realidade na qual estavam inseridas.
Preservar esta história é justamente um dos objetivos da sociedade mantenedora do Cemitério Católico de Arroio Grande, Arroio do Meio, criada em 1987. Desde lá, inúmeras ações têm sido realizadas visando proteger túmulos mais antigos e melhorar o cemitério, que atende três comunidades: Arroio Grande Superior, Arroio Grande Central e Cascata.
Este olhar para o aspecto de memória e a necessidade de preservação, surgiu ainda no início dos anos 1990, numa iniciativa conjunta com a escola Duque de Caxias. Na época foi construído o memorial que guarda as duas sepulturas mais antigas: a de Antônio Labonté, falecido em 1876, e de Joseph Hammes, em 1878. Ambas estão bem na entrada, à direita, e alinhadas em direção ao nascer do sol. Este alinhamento, diferente de todas as outras sepulturas, pode estar relacionado à cultura indígena ou lusa. A explicação é do professor universitário aposentado, Euclides Scheid, que tem se dedicado a buscar informações sobre as pessoas sepultadas no local.
Um relatório com os dados já apurados, será apresentado neste sábado, na missa de Finados, às 9h30min. A diretoria da sociedade, presidida por Tânia Rockenbach, prefere não antecipar muitos detalhes, mas adianta que o levantamento aponta a presença de outras etnias além da alemã, bem como a média de idade dos sepultados. Pela pesquisa, mais de 1100 pessoas – muitas nascidas em outros países – já foram enterradas no local. Destas, há mais de 900 com informações catalogadas. O trabalho inclui fotografia de todas as lápides.
A ideia é reunir estas informações, juntamente com estudos que envolvem a história da escola Duque de Caxias e da comunidade em geral, num livro. O projeto do livro também será apresentado no sábado, na missa. Tanto a presidente Tânia, como Euclides e Lourdes Neumann, que também integram a diretoria da sociedade, e a diretora da escola Magda Rockenbach, são unânimes ao afirmarem que as histórias estão entrelaçadas e que não é possível contá-las de forma independente. É preciso contextualizar o todo.
Melhorias
A criação da sociedade mantenedora proporcionou uma série de melhorias no cemitério. Isto porque as comunidades começaram a pensar no espaço a médio e longo prazos, sem desconsiderar o passado e o presente.
Visitaram outros lugares a fim de implantar medidas que beneficiassem a maioria dos associados. Na área há bancos, sombra, banheiros e acessibilidade, favorecendo o acesso e o bem-estar das pessoas que o visitam. O asfalto na avenida facilitou a entrada e o nivelamento das sepulturas, somado ao piso, que é todo em lajes, facilitam o deslocamento, inclusive, de cadeirantes.
A sociedade também fez uma reorganização do espaço físico. Em duas laterais foram criadas galerias a partir de túmulos que não eram mais cuidados ou visitados. De um lado estão as lápides de crianças e, do outro, as dos adultos. Neste setor está o registro das pessoas que seriam as mais velhas no cemitério. Johannes Sturm, nascido em 3 de setembro de 1814 e falecido em 21 de setembro de 1892 e Gertruda Sturm, nascida em 21 de julho de 1818 e falecida em 26 março de 1893. Ambos nasceram na Alemanha.
Pensando no futuro, a sociedade já tem o projeto de construção de um memorial para receber as cinzas de quem opta pela cremação e também criou regras que garantem a harmonia do ambiente.
Túmulos tombados
Quem visita o cemitério de Arroio Grande se depara com 20 túmulos pintados com a mesma cor. As sepulturas foram tombadas pela sociedade mantenedora, que se tornou responsável pelo seu restauro e manutenção. Uma das preocupações era preservar sua arte tumular, cheia de detalhes e alegorias carregadas de significados.
Euclides observa que a partir da forma como a lápide foi feita, é possível analisar a importância que a pessoa tinha no seu contexto familiar ou comunitário. As colunas, por exemplo, representam que o falecido era alguém que tinha poder ou dava sustentação a algo ou a alguém, como sua família. Os epitáfios também dizem muito sobre o falecido. Mas sempre a partir da ótica dos vivos.
Por todo o contexto envolvido, Euclides define que os cemitérios são lugares dos mortos, mas também dos vivos, tendo em vista as diversas informações que guardam através do tempo.