O nome do arroio-meense Rafael Spiekermann, 31 anos, tem figurado revistas e jornais nacionais e internacionais recentemente. Estudante de doutorado, atualmente residindo na Alemanha, ele é o autor principal de pesquisa realizada pela Universidade do Vale do Taquari – Univates, em parceria com o Museu de História Natural Senckenberg, em Frankfurt, e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).
Muito presentes nos jardins e vegetais de importância ornamental, as cicas são plantas que a maior parte das pessoas sabe identificar. No entanto, o que poucos conhecem é a história evolutiva desse gênero vegetal, que acabou de ser reescrita a partir destas descobertas. A pesquisa realizada por Rafael traz evidências sobre a resiliência desta linhagem de plantas, que surgiu há, pelo menos, 280 milhões de anos, sobreviveu a duas extinções em massa (incluindo a que exterminou os grandes dinossauros) e resiste até hoje.
“A condução de uma pesquisa científica é um trabalho árduo que exige dedicação exclusiva e constante. Eu, assim como todos os participantes da pesquisa (afinal, não se faz ciência sozinho) estamos muito contentes pelo reconhecimento do nosso trabalho, o qual circulou o mundo especialmente após a reportagem publicada no The New York Times em maio deste ano. Esse reconhecimento é reflexo da alta qualidade e do impacto internacional dos resultados que produzimos dentro do nosso grupo de pesquisa”, reconhece o pesquisador.
Os pais de Rafael, Ernesto Spiekermann e Venivia Maria Blum Spiekermann, e o irmão Francisco, residem em Arroio do Meio. Ele morou com a família na rua Maurício Cardoso até o início de 2019. Após esta data, mudou para Frankfurt com sua esposa Bianca, para dar início à pesquisa de doutorado.
Formado no Ensino Médio pela Eeem Guararapes, é graduado em Ciências Biológicas pela Univates. “Atualmente, desenvolvo minha pesquisa de doutorado na Universität Tübingen, e sou pesquisador visitante no Senckenberg Forschungsinstitut und Naturmuseum, em Frankfurt. A minha área de atuação é a paleobotânica, um ramo da paleontologia que se preocupa em estudar os fósseis de plantas. Com base nisto, investigo a história evolutiva das plantas e a variação dos sistemas vegetais frente às mudanças climáticas e ambientais que ocorreram no passado geológico do planeta”, detalha o pesquisador, complementando: “A Terra é um sistema dinâmico que experimentou diversas mudanças ambientais/climáticas ao longo de sua extensa história geológica. Compreender os fatores que levaram a estas mudanças, e como elas afetaram a diversidade e a distribuição geográfica de plantas no passado geológico, pode nos fornecer informações para o entendimento de cenários futuros, oriundos de alterações climáticas e ambientais que o planeta ainda experimentará”.
Interesse acadêmico e motivadores
A curiosidade e o fascínio sobre a diversidade biológica e geológica da Terra sempre fizeram parte da vida do pesquisador. Ele salienta que esse fato de querer compreender o porquê de o mundo natural ser assim, o levou a estudar Ciências Biológicas na graduação. “Nesta etapa de formação, conheci o professor André Jasper, que me apresentou a paleobotânica. Fiquei impressionado pela quantidade de informações que os fósseis de plantas podem nos revelar sobre a história geológica da Terra, e isso me estimulou a seguir essa linha de pesquisa”, explica.
André Jasper coordena o Laboratório de Paleobotânica e Evolução de Biomas na Universidade do Vale do Taquari. “Foi neste local, sob o incentivo dele, que desenvolvi minhas primeiras pesquisas e publicações científicas sobre fósseis de plantas. Trabalhei com paleobotânica durante toda minha graduação (2013–2018), e outro grande incentivador da minha pesquisa foi o professor Dieter Uhl, do Senckenberg–Frankfurt, que atualmente supervisiona minha tese de doutorado na Alemanha”, reconhece.
Após quase oito anos trabalhando nesta área da ciência, que engloba tanto a biologia quanto a geologia, Rafael diz que conseguiu satisfazer parcialmente algumas das suas dúvidas sobre o porquê da diversidade biológica e geológica da Terra ser assim. “Parcialmente, pois a cada descoberta fóssil, novas informações e perguntas surgem, revelando a complexidade da evolução da vida e do sistema da Terra e de como ainda nos falta conhecimento sobre o funcionamento do mundo natural. Isso me motiva a continuar pesquisando, com o intuito de gerar novos conhecimentos que contribuam para o desenvolvimento da sociedade”.
A pesquisa e o tamanho desta descoberta
O trabalho apresentado ao mundo pelo The New York Times e várias outras publicações, integra a pesquisa de doutorado que Rafael desenvolve na Universität Tübingen e Senckenberg Forschungsinstitut und Naturmuseum na Alemanha. Ele foi publicado no periódico internacional Review of Palaeobotany and Palynology no início do ano. A pesquisa consiste na descrição de um fóssil anatomicamente preservado de uma planta, que há aproximadamente 280 milhões de anos, habitou o que hoje é o Brasil. “Isso é muito antes do surgimento dos primeiros dinossauros. E sabemos a idade do fóssil estudado, através da datação isotópica de alta precisão das rochas da Formação Irati, de onde o exemplar foi extraído. Naquela época, a configuração geográfica do planeta era completamente diferente da atual, e a América do Sul, Antártica, Índia, África do Sul, e Austrália estavam unidas em um grande continente chamado Gondwana”, detalha.
O fóssil foi encontrado na cidade de Rio Claro, em São Paulo, na década de 1970. A partir de uma detalhada análise das suas características morfológicas e estrutura anatômica, entre 2019-2020, foi descoberto que ele pertence à ordem botânica Cycadales. Ele foi nomeado de Iratinia australis, um novo gênero e espécie até então desconhecidos pela ciência. “Iratinia é o mais antigo fóssil anatomicamente preservado de Cycadales descrito até hoje. Ele indica que a estrutura e configuração anatômica desta ordem de plantas já estava estabelecida naquela época, e que este grupo estava amplamente distribuído no planeta há 280 milhões de anos atrás”.
Cycadales são plantas vasculares que se reproduzem através de sementes, mas não formam frutos. Elas são popularmente conhecidas como cicas ou sagu de jardim e comumente cultivadas nos jardins no Vale do Taquari. “A nossa pesquisa fornece agora evidências sobre a resiliência desta linhagem de plantas que sobreviveu a duas extinções em massa (incluindo a que exterminou os grandes dinossauros), e sobrevive até hoje. Iratinia está agora depositada e catalogada no Museu de Ciências da Terra no Rio de Janeiro, e disponível para que cientistas de outras partes do mundo também possam realizar estudos sobre ela. Os próximos passos de nossa pesquisa envolvem estudos cladísticos (sistema de classificação dos seres vivos de acordo com a evolução dos mesmos) incluindo espécies atuais e fósseis de Cycadales de modo a desvendar a longa história evolutiva deste grupo de plantas”, conclui Rafael.
Quer saber mais sobre a pesquisa?
Quem tiver interesse em saber mais sobre a pesquisa de Rafael pode acessar o artigo científico (primeiro link) e as publicações feitas sobre o estudo no exterior. A maioria está em inglês ou alemão, e há também a publicação na conhecida revista brasileira Superinteressante.
Publicação completa e original: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0034666721000397
Reportagem publicada no New York Times: https://www.nytimes.com/2021/05/18/science/fossil-plant-cycadales.html
Reportagem do museu de Frankfurt: https://museumfrankfurt.senckenberg.de/de/pressemeldungen/280-millionen-jahre-alter-spross/
Instituto de pesquisa: https://www.senckenberg.de/de/
Página de pesquisa pessoal: https://www.researchgate.net/profile/Rafael-Spiekermann
Revista Superinteressante: https://super.abril.com.br/ciencia/fossil-de-planta-de-280-milhoes-de-anos-e-identificado-no-brasil/