O setor de ônibus de linha está enfrentando uma das piores crises desde a existência da modalidade. De acordo a 11ª superintendência do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), de Lajeado, o número de itinerários e ocupação dos ônibus caiu mais do que pela metade durante a pandemia e dificilmente vai voltar ao patamar anterior devido a competividade com meios de transportes mais econômicos, práticos e até mais confortáveis.
O agente administrativo do Daer, Sadi Marques, que atua na autarquia há 40 anos, revela que a crise no setor iniciou há cerca de seis anos, coincidindo com a implantação do transporte de estudantes gratuitos na rede estadual, da autorização municipal para o transporte de vans nos bairros e localidades, além dos ônibus públicos do Caminhos da Escola. Outro fenômeno foi o fretamento exclusivo de funcionários de indústrias.
Os dois públicos, até então ajudavam a manter os ônibus de linha. “As vans prestam um serviço de muito mais qualidade pegando os estudantes na porta de casa, dando tranquilidade as famílias. A despesa é muito inferior do que utilizar o veículo próprio”.
Segundo, Sadi, os topiqueiros também impactaram o transporte interregional que era feito por ônibus, oferendo preços muito mais interessantes e um atendimento mais qualificado. “As vans têm um custo quase de um terço em comparação com uma empresa de ônibus que precisa manter horários fixos, parar em locais obrigatórios, taxas no Daer, seguro obrigatório, aluguéis de box e comissões nas rodoviárias, além de toda uma burocracia para participar de licitações. Tudo isso impacta no preço da passagem”, detalha. Conforme ele, uma lei que pede a lista de passageiros com antecedência de oito horas para vans, ajudou a frear e manter um pouco as linhas regulares.
No Vale do Taquari, outro fator apontado por Sadi é a prosperidade econômica. Hoje o custo mensal em passagens está muito próximo ao da prestação de uma motocicleta ou até de um carro popular. Além disso, redes sociais, aplicativos e o próprio celular têm ajudado a formar grupos de carona ou outras modalidades que não competem só com os ônibus, mas também com os táxis. “Antes um ônibus se pagava em dez anos, agora leva 30, o que é inviável. As empresas vão ter que pensar em ter preços mais interessantes e mais qualidade, se quiserem se manter operando. Todas as empresas estão em dificuldades, algumas já faliram”.
“EMPRESAS DE ÔNIBUS CORREM RISCO DE SUCUMBIR”
Pedro Lourenço Guarnieri, diretor da Auto Viação Bento, que há três anos incorporou a Empresa Arroio do Meio e a Expresso Azul, revela que em 50 anos atuando no setor, nunca imaginou uma crise de tamanha expressão. A pandemia levou uma redução de 60% das viagens realizadas, com a lotação dos veículos na mesma proporção. O segmento já reagiu 12% em relação ao pior momento da pandemia e há expectativa para uma recuperação de mais 20%, assim que a população for imunizada e a rotina social e institucional retomar à normalidade. “Nunca mais será igual”, entende.
Guarnieri revela que quando os veículos operam 40% abaixo da demanda já estão gerando prejuízos. “Mesmo otimizando os itinerários das três empresas, operamos no vermelho. Tivemos que vender imóveis e tomar crédito no banco. As licitações estão vencendo. Mas antes de renovações, o governo precisa adotar uma fiscalização enérgica contra os clandestinos, que não oferecem as mesmas condições de segurança, arrecadação de tributos. Se continuar assim, vai ficar inviável. A tendência é o legalizado sucumbir ou desistir antes de sucumbir”.
A empresa só não se desfez de parte da frota, pois ainda não tem a noção exata de como o segmento vai reagir depois da pandemia. Atualmente um ônibus novo custa R$ 1 milhão e a manutenção mensal de um veículo, incluindo profissionais, gira em torno de R$ 25 mil. “Quanto mais rodar e mais passageiros, menor o custo. Um ônibus já se pagava em 10 anos, mas se continuar deste jeito, pode levar mais de 30”.
VENDA DE PASSAGENS AINDA NÃO ATINGIU 40% DA NORMALIDADE
Na rodoviária de Arroio do Meio a situação não é diferente. A venda de passagens que era superior a 250 tickets diários antes da pandemia, caiu para menos de 50 no período mais crítico, de acordo com a gerente Eliani Tischer, que atua há 38 anos no setor. O movimento já reagiu, mas só atinge a venda de 100 passagens diárias eventualmente.
Os fins de semana seguem sendo considerados péssimos. “Em alguns domingos vendemos 20 passagens. Só estamos abrindo das 14h45min às 19h40min, quando o último ônibus parte para Porto Alegre. Evidencia que a rotina institucional ainda não retomou”.
Segundo Eliani, muitas rodoviárias de 4ª classe, que são as menores em receita, decretaram falência durante a pandemia. “Muitas infelizmente tinham custos de aluguéis elevados. Nós temos imóvel próprio. Mesmo assim, adotamos a redução de jornada. Minha única funcionária passou a vir duas tardes por semana, e eu passei a trabalhar mais. Além disso tive que injetar recursos próprios. Tentamos nos habilitar ao Pronamp em duas instituições bancárias, mas não conseguimos. Operamos no vermelho nos meses mais críticos e ainda estamos remando para sair das dificuldades”, pontua.
No momento a rodoviária está com 31 itinerários intermunicipais entre, Lajeado, Encantado e Porto Alegre (5). No período mais crítico da pandemia eram menos de 20. Antes da pandemia eram mais de 40. A tendência é a retomada gradual e existe boa expectativa com retorno regular das aulas. Nas linhas para o interior da Comarca, apenas a transporte Irmãos Cé, retomou itinerários diários para Travesseiro e Coqueiro Baixo, com exceção dos fins de semana. A Transportes Oásis está indo apenas duas vezes por semana para Capitão. E a Mais ainda não retomou as atividades.
Essa diminuição de itinerários acabou afetando a rotina de quem dependia exclusivamente desta modalidade de transporte, que precisa esperar mais entre um ônibus e outro.