Química, física e matemática foram as disciplinas que os 64 jovens das seis turmas de 3º ano do Ensino Médio pesquisadas pelo AT – cinco da rede estadual, Escola Guararapes e uma da privada, Colégio Bom Jesus São Miguel – tiveram mais dificuldade na pandemia. Assim como os alunos do 9º ano, cujo resultado da pesquisa foi divulgado na edição anterior, os do Médio também consideram que aprendem melhor com aulas presencias e sinalizam que entender o conteúdo foi o maior desafio das aulas remotas.
A pesquisa com os alunos do 3º ano do Ensino Médio foi realizada entre os dias 11 e 17, nos turnos manhã e noite. Nas turmas da Escola Estadual de Ensino Médio Guararapes, o número de alunos que responderam ao levantamento foi pequeno, se considerado o total de matriculados que ultrapassa 150. Isto porque nas datas em que os questionários foram aplicados, muitos alunos ainda não tinham retornado, por opção, para o ensino presencial.
Destaque para as três turmas do noturno, que retornaram para as salas apenas na semana passada, depois de um ano e cinco meses com ensino remoto. A baixa adesão às aulas presenciais neste primeiro momento pode ser apenas questão de reorganização de horários de trabalho, com a expectativa de que o número de estudantes em sala de aula cresça com o passar dos dias.
Desafios e estudos
Questionados sobre o maior desafio das aulas remotas, a maioria dos estudantes – 61 do total de 64 – disse que foi entender o conteúdo. Apenas três, todos da Escola Guararapes, apontaram o equipamento – celular ou computador – como o item mais desafiador.
Era à noite que a maioria – 31 (25 da rede estadual e seis da particular) – costumava estudar. Em segundo lugar aparece a opção tarde (15 na estadual e 10 na particular) e, na sequência, quase empatada, a manhã com 24 votos (14 na estadual e 10 na particular). Vários alunos assinalaram mais de uma opção. Vale lembrar que os estudantes do Bom Jesus São Miguel tinham aula virtual todos os dias, inclusive em alguns sábados.
Quanto ao tempo dedicado aos estudos, 22 jovens – 15 da rede estadual e sete da particular – apontaram que era entre uma e duas horas diárias. Onze, sendo 10 da Guararapes, disseram que estudavam mais de quatro horas por dia e 10, sendo três do Bom Jesus São Miguel, estudavam entre duas e três horas diárias. Sete (seis do Guararapes) se dedicavam aos estudos entre três e quatro horas ao dia e cinco (três do Bom Jesus São Miguel) menos de uma hora diária. As opções, só estudava quando era cobrado por alguém e só estudava nos fins de semana, tiveram quatro votos cada, sendo três do Guararapes e um do Bom Jesus São Miguel. Três jovens, todos do Guararapes, ainda responderam que só estuavam uma vez por semana – dois votos – e um não estudava.
Sobre a participação da família na rotina de estudos, mais da metade dos pesquisados – 36 (27 do Guararapes e nove do BJSM) – disseram que, às vezes, eram acompanhados ou monitorados. 25 (19 Guararapes e 6 BJSM) nunca tinham a rotina de estudos monitorada ou acompanhada e três (dois do BJSM) sempre eram acompanhados.
A avaliação dos professores ficou entre boa e muito boa, conforme mostra o gráfico.
Ciências exatas
Física, química e matemática foram as disciplinas que os jovens disseram ter mais dificuldade no período sem aula presencial. Química lidera com 46 votos (31 no Guararapes e 15 no BJSM), seguida por física com 36 citações (26 no Guararapes e 10 no BJSM) e matemática 31 (23 no Guararapes e 8 no BJSM). Quatro estudantes do BJSM e três do Guararapes também relataram dificuldade em biologia. Os estudantes da escola estadual também tiveram dificuldade em história – 11 votos, português – 7, geografia – 3, filosofia e literatura com dois votos cada e sociologia e artes, com uma citação cada. No Bom Jesus São Miguel um dos pesquisados ainda apontou dificuldade em redação.
A animação e motivação com o retorno das aulas presencias podem ser acompanhadas nos gráficos. Boa parte dos alunos se sente mais animada, principalmente com o fato de rever os colegas.
Pandemia, vacina e festas
A pesquisa realizada pelo AT também buscou saber o que os jovens pensam acerca da pandemia e a vacinação. 44 dos entrevistados (34 no Guararapes e 10 no Bom Jesus São Miguel) disseram que não têm medo da covid-19, mas tomam os cuidados necessários. Já outros 19 (12 no Guararapes e 7 no BJSM) disseram que têm medo e tomam os cuidados para não contrair o vírus. Apenas um dos entrevistados, da escola estadual, relatou não se cuidar.
Quanto à vacina, 57 (41 da escola estatual e 16 da particular) disseram que desejam se vacinar. No Guararapes, inclusive, dois já haviam se vacinado. Na mesma escola dois disseram que não querem se vacinar e três ainda não sabem, opção marcada por um estudante do Bom Jesus São Miguel.
Sobre as festas clandestinas durante a pandemia, 38 jovens (31 da escola estadual e sete da particular) declararam não terem participado, contra 26 (16 da estadual e 10 da particular) que alegaram terem frequentado.
Trabalho, interação social e família
Quarenta e seis dos jovens da amostragem já ingressaram no mercado de trabalho ou ajudam em casa ou na atividade da família. 26, todos da escola estadual, responderam que trabalham. 20 (cinco da escola particular e 15 da estadual) disseram que ajudam em casa ou na atividade da família e 17 (cinco da particular e 12 da estadual) declararam que não trabalham.
Apenas três estudantes do Bom Jesus São Miguel mencionaram que trabalham em horário livre. Da escola Guararapes, 18 disseram que trabalham o dia todo, sete em meio turno e oito em horário livre. Entre as atividades citadas estão: afazeres domésticos, auxiliar administrativo, comércio, indústria, secretária, babá, jovem aprendiz, marcenaria, agroindústria, colocação de piso e azulejo, ajudante de instalação de acessórios em caminhões, agricultura, social media, negócio da família, vendas on-line, confecção, serraria, funcionário no hospital, tem seu próprio negócio.
A convivência com os amigos foi o aspecto que os alunos mais sentiram/sentem falta neste período de distanciamento social, conforme pode ser conferido no gráfico.
Quanto à relação com a família, as opções muito boa e boa aparecem na liderança, com 26 votos cada, (20 e 19 no Guararapes, respectivamente e seis e sete no Bom Jesus São Miguel, respectivamente). 18 declararam que têm a família como base (cinco no BJSM e 13 no Guararapes), 14 que gostariam de ser mais ouvidos pela família (4 no BJSM e 10 no Guararapes), 11 (seis da rede particular e cinco da estadual) apontaram que há muitos conflitos e 10 que poderia ter mais diálogo (cinco em cada escola). Sete não se sentem apoiados (cinco no Guararapes e dois no Bom Jesus São Miguel) e seis disseram que a família conversa muito pouco (quatro na estadual e dois na particular).
Sequência dos estudos
O Ensino Superior é o desejo de 41 entrevistados – 16 do Bom Jesus São Miguel e 25 do Guararapes. Entre os cursos pretendidos pelos alunos do BJSM estão medicina, engenharia civil, enfermagem, publicidade e propaganda, arquitetura, fisioterapia, medicina veterinária, direito, biologia e biomedicina. Já os alunos do Guararapes pretendem cursar psicologia, administração, engenharia de software, jornalismo, educação física, direito, engenharia de controle e automação, medicina veterinária, engenharia de computação, engenharia química, medicina, engenharia civil, licenciatura em artes visuais, arquitetura, física, biomedicina, enfermagem, odontologia.
Sete jovens – um do Bom Jesus São Miguel e seis do Guararapes – disseram que desejam fazer um curso técnico. Segurança no trânsito, contabilidade, química, mecânica e tecnologia e audiovisual estão entre as opções.
Treze alunos da escola estadual ainda não sabem se continuarão os estudos e três disseram que não pretendem continuar.
Quanto ao que dependem para dar sequência aos estudos, a maioria – 34 da escola Guararapes e nove do Bom Jesus São Miguel – disse que é conciliar o trabalho e o estudo. 20 marcaram a opção minha família ajudar a pagar – 12 do BJSM e oito do Guararapes. 10 dependem de bolsas ou cursos gratuitos – nove do Guararapes e um do Bom Jesus São Miguel – e quatro (um do BJSM) de outra variável.
Nota técnica – Nem todas as respostas fecham com o número de alunos pesquisados pois alguns assinalaram mais de uma opção de resposta ou não responderam a determinadas questões. Além disso, havia questões com a opção de múltiplas escolhas.
Pandemia acentuou dificuldades de aprendizado
Para a professora da rede municipal de Arroio do Meio, Magda Fonseca, formada em Licenciatura em Ciências Exatas, pela Univates, a pandemia de covid-19 traz consequências para a educação, que serão sentidas, ainda, por um período que não se pode medir. Lecionando desde 2008, Magda tem experiência em ambas as redes, sendo que, em Arroio do Meio, já deu aula na Eeem Guararapes e atua na Emef Bela Vista há cinco anos. Traz em seu currículo também experiência de lecionar em Lajeado.
Com toda a atenção e necessidade de explicação com proximidade, que pode diferenciar de aluno para aluno, que a disciplina de matemática exige, Magda classifica a forma remota de dar aulas como uma dificuldade. “O quadro, a explicação com o atendimento individual das dúvidas, quando a gente não tem como ficar também perto dos alunos, ir na mesa ver como é que estão fazendo o cálculo, identificar os erros, as dificuldades que estão tendo no desenvolvimento… a distância é impossível de se fazer”, explica.
Os encontros virtuais, pelo Meet, davam um suporte melhor na hora de explicar os conteúdos e sanar as dúvidas dos estudantes. Magda, dentro de casa, assim como muitos professores durante a pandemia, também teve de se adaptar e reinventar para dar as aulas. “Tinha um quadrinho que eu fiz em casa, então conseguia explicar e corrigir usando-o e tirava algumas dúvidas. Mas eram poucos os alunos que acessavam, que participavam ativamente, que estavam ali prestando atenção com o caderno e tudo mais”, relata. Infelizmente as aulas virtuais também afastavam, alguns alunos só conectavam para registrar a presença e o controle fugia do alcance do educador.
A professora explica que, no caso da matemática, cada conteúdo é novo, e sempre necessita de revisão e de um trabalho focado no entendimento do aluno. A disciplina também serve de base para química e física, que ingressam no currículo nos anos finais do Fundamental e no Ensino Médio. Com a volta das aulas presenciais, as salas de aula passaram a apresentar também uma outra realidade. “Quando a gente voltou agora em agosto, no 100% presencial, eu cheguei na sala numa terça-feira de manhã e me deparei com uma turma que tinha alunos que vinham acompanhando presencial, mas 50% nunca vieram esse ano e nem no ano passado”. Tudo isso, conforme a professora afeta o aprendizado e cria uma grande lacuna. “Eu sou favorável ao reforço no turno inverso, na verdade eu acredito na escola de tempo integral e seria muito bom se a gente pudesse caminhar num sentido assim, porque não será em um, dois ou três anos que vamos dar conta de recuperar os alunos, em relação ao conhecimento que acabou ficando com muitas lacunas. Se a gente tivesse um contato, pelo menos em algum dia da semana, com reforço em matemática e português, já conseguiríamos recuperar um pouco mais”, sugere Magda.
Obviamente existem alunos que conseguem acompanhar muito bem as aulas. A professora pondera que estes, geralmente, nem precisam de muitas explicações sequer nas aulas presenciais, pois têm facilidade para o conteúdo. É importante entender que a aptidão para as matérias e conteúdos pode diferir de um indivíduo para outro e que sempre haverá aqueles que precisam de mais ajuda para assimilar as disciplinas englobadas pelas exatas. “Mas, com certeza, com a pandemia, se agravou a dificuldade que alguns têm, em decorrência dessa lacuna que tiveram ano passado, com dois meses sem aula nenhuma. Não somos todos iguais e a gente não consegue atingir os mesmos objetivos, só que, com a pandemia, aquele aluno que tinha mais dificuldade, mas se esforçava, que a gente conseguia ajudar, não foi adiante e entenderam os conteúdos só aqueles que tinham facilidade. E ainda há outros fatores, como o acesso ou a situação da própria família”, conclui a professora, ressaltando que os educadores não tinham acesso a essas informações para saber os motivos de os alunos não participarem ou perderem seu rendimento.
Os alunos que retornaram ao ambiente escolar estavam sedentos pelo contato direto com tudo que nele está. Para Magda, um simples ato como conferir o tema feito no caderno ou um recado de estímulo positivo faz toda a diferença e ajuda na motivação deles. “Eles ficaram muito felizes com esse retorno, porque nem isso tinham, não tinham nem a conversa de forma real”.
Professoras da Univates analisam a pesquisa e discorrem sobre as disciplinas e as dificuldades dos alunos
A pesquisa realizada pelo AT junto aos estudantes, cujos resultados têm sido mostrados desde a última edição, mostrou sua experiência e muito de seus anseios, agravados principalmente com a distância do ambiente da escola, dos colegas e professores. Na questão do aprendizado, as matérias mais citadas nas quais eles admitem sentir mais dificuldades foram as Ciências Exatas (matemática, química e física) e a Língua Portuguesa. Buscando entender o significado destes dados e lhe dar a devida interpretação, duas professoras da Univates foram convidadas a lerem os resultados. São elas, Dra. Ieda Maria Giongo, professora dos Programas de Pós-Graduação em Ensino (PPGENSINO) e em Ensino de Ciências Exatas (PPGECE) e Dra. Kári Lúcia Forneck, professora do Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGENSINO) e do Curso de Letras. Na sequência, a interpretação e explanação de ambas as educadoras, a respeito das disciplinas de maior dificuldade:
MATEMÁTICA
Inicialmente, cabe destacar dois pontos. Os estudantes apontaram que os professores efetivamente participaram do processo de virtualização, dando-lhes o necessário suporte. De fato, o que se tem visto é a superação desses profissionais que, num curto espaço de tempo, passaram a ministrar suas aulas de casa, muitas vezes improvisando espaços não destinados para esse fim. O segundo ponto que considerei relevante nas respostas faz alusão à importância dada, pelos estudantes, ao espaço escolar, mesmo afirmando não terem se deparado com maiores dificuldades em acessar virtualmente os conteúdos. Dessa forma, ficou evidente que a escola ainda é um espaço potente para a emergência de aprendizagens em todos os âmbitos.
Especificamente em relação às dificuldades em matemática, é importante frisarmos que, historicamente, a disciplina tem sido apresentada como aquela restrita a poucos indivíduos, considerados suficientemente inteligentes, pois suas regras seriam de difícil entendimento. Por isso, entendo que a pandemia não tenha sido responsável pelas dificuldades apontadas pelos participantes da pesquisa. Nesse sentido, há outras questões que, penso, devem ser (re)pensadas e dimensionadas quando se fala em problemas de aprendizagem em matemática. Dentre elas, destaco:
Professoras da Univates analisam a pesquisa e discorrem
sobre as disciplinas e as dificuldades dos alunos
a) O entendimento de que a matemática é uma linguagem e, como tal, é regida por regras que surgiram a partir de necessidades humanas para resolver problemas. Por conta disso, aspectos da história da matemática deveriam figurar nas aulas. Questões, como “Por que esses conhecimentos matemáticos são apontados como importantes e não outros em seu lugar?”, “Quais condições sociais e econômicas foram centrais para que determinados conteúdos matemáticos ganhassem visibilidade?”, certamente produzirão importantes discussões em sala de aula, aproximando o aluno do entendimento de que a matemática é uma construção humana.
b) Atrelada à primeira, emerge a ideia da não existência de uma única matemática, igualmente importante. Se pensarmos que as regras da matemática escolar fazem sentido nesse contexto, há que se considerar, por exemplo, as que conformam a matemática dos engenheiros, dos pedreiros, das costureiras, do comércio, dentre tantas outras formas de vida. Problematizar como estas funcionam seria bastante produtivo para o entendimento da importância de distintas regras matemáticas presentes nos variados contextos. Operar com essa ideia implica não defender a superioridade da matemática escolar em relação às demais, mas compreender que cada cultura gera matemáticas que, em maior ou menor grau, apresentam entre si semelhanças.
c) Pensar no desafio de promover interlocuções entre a matemática escolar e as demais áreas do conhecimento como forma de fazer uso de conceitos matemáticos para compreender aspectos do cotidiano. Como exemplo, podemos citar fatos atinentes à educação financeira, atualmente citada em vários documentos oficiais.
Mas – e aqui reforço – para que os itens anteriores sejam contemplados e efetivamente produzam efeito, há que se pensar na formação continuada de professores, oportunizando espaço e tempo para que eles possam, em pequenos grupos, nas próprias escolas, planejar e replanejar suas práticas pedagógicas. Os resultados das pesquisas geradas nos Programas de Pós-Graduação em Ensino da Univates – PPGEnsino e PPGECE – têm mostrado a pertinência de operar com a formação de grupos de estudos nas próprias escolas em oposição à ideia de realizá-las em escala, usualmente em grandes auditórios. Ademais, têm evidenciado a importância de docentes da escola básica participarem de pesquisas oriundas dos PPGs na condição de parceiros, onde se discutem outros modos de ensinar, aprender e avaliar em matemática. Nesse sentido, penso que a discussão das assim chamadas dificuldades de aprendizagem dos estudantes deve ser atrelada às condições plenas para o exercício da docência, o que implica estudar, pesquisar, planejar e (re)planejar práticas pedagógicas.
LÍNGUA PORTUGUESA
Em relação à Língua Portuguesa, como ponto de partida, é importante destacar a necessidade de reconhecer esse componente curricular como cenário para o desenvolvimento de habilidades de compreensão leitora e de produção escrita, e não apenas como matéria escolar em que sejam memorizadas regras gramaticais. Dito isso, assume-se, em consequência, que essas habilidades transcendem o componente curricular em si e acabam sendo requeridas em muitos outros contextos de aprendizagem na escola, bem como na vida cotidiana, no exercício da cidadania.
É natural, portanto, que as dificuldades na leitura ou na escrita interfiram também em outras situações de aprendizagem. Por isso, reconhecer essas eventuais limitações é ponto de partida para ações concretas que possam modificar essa percepção, tanto individuais, quanto coletivas. Em resumo, quando um aluno nos diz que tem dificuldades em ler e escrever ele está nos apontando caminhos para intervenções possíveis e necessárias: mais situações de leitura e mais situações de escrita podem ser bons pontos de partida. Mas é necessário frisar que a percepção dos estudantes em relação a eventuais dificuldades não é, por si só, decorrente do contexto pandêmico. No relatório Retratos da Leitura no Brasil (2020), organizado pelo Instituto Pró-Livro e pelo Itaú-Cultural, por exemplo, evidenciou-se que a estimativa de ‘leitores’ (considera-se ‘leitor’ aquele que leu pelo menos um livro inteiro nos últimos meses) vem caindo ao longo dos últimos quatro anos. Entretanto, a maioria dos informantes gostaria de ter lido mais (82%). Ou seja, o brasileiro está lendo menos, mas reconhece que poderia estar lendo mais. Entre as dificuldades apontadas pelos respondentes estão: falta de paciência para a leitura, ausência de fluência e velocidade na leitura, limitações físicas que dificultam a leitura, falta de concentração e dificuldade de compreensão. Esses fatores – revelados nesse relatório – podem se constituir pistas que explicam as dificuldades apontadas pelos alunos na pesquisa realizada nas escolas de Arroio do Meio: as dificuldades em Língua Portuguesa não são decorrentes da pandemia em si e não são exclusivas ao município, mas dizem respeito à relação dos estudantes de modo geral com práticas de leitura e de escrita que são essenciais para o desenvolvimento da linguagem. É como uma bola de neve: se você não lê ou não escreve, pior será sua leitura e sua escrita; então, menos vontade você terá de ler ou escrever e ainda mais fraco será seu desempenho em leitura e escrita. Mas o inverso também é verdadeiro: quanto mais se lê e se escreve, melhor se lê e se escreve, o que resulta em mais vontade de ler e de escrever, o que, por sua vez, melhora ainda mais a leitura e a escrita.
Um outro ponto importante que emerge dos dados da pesquisa é que os estudantes revelaram aprender melhor em contextos de interação: rever colegas e professores e aprofundar suas aprendizagens são experiências das quais sentiram mais falta. Esse dado é bastante importante para que se entenda porque avaliaram a linguagem como sendo uma das áreas de conhecimento com mais lacunas. Ocorre que a linguagem se aprende por interação. Linguagem é interação em essência. É verdade que a leitura e a escrita são, em alguma medida, ações solitárias; mas a gente escreve para que alguém leia e a possibilidade de debater leituras com os outros ajuda a ampliar nossos horizontes de linguagem. Em nossas pesquisas, junto ao PPGEnsino, temos evidenciado que a produção escrita e a leitura mediadas por tecnologias digitais mobilizam de modo geral as mesmas ferramentas intelectuais que a leitura e a escrita em contextos não digitais. A pergunta que fazemos, então, é: por que temos a impressão de que, mesmo tendo um acesso muito maior a conteúdo linguístico, lemos e escrevemos menos ou com mais dificuldade? A resposta para uma pergunta tão complexa não é simples; mas já temos algumas pistas. Em contextos escolares, é preciso que se tenham claros os objetivos de leitura e de escrita. E eles ficam mais explícitos quando estamos em contextos de interação. Por que ler esse texto? Quem entendeu a mesma coisa que eu? Quem pensa diferente de mim? Para que escrever esse texto? Quem vai ler o que eu escrevi? Que estratégia argumentativa devo empregar para convencer meu interlocutor? – são perguntas essenciais para o aprimoramento das habilidades de leitura e de escrita. As respostas a elas se tornam mais consistentes em situações de interação, entre colegas e professores, que, aliás, são peças fundamentais para que leitura e escrita possam plenamente se desenvolver em contextos escolares.