Há pouco mais de dois meses na Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Capitão, o pároco haitiano Jean Mara Lafortune, 45 anos, acompanha nos noticiários a situação catastrófica que vive seu país de origem, atingido recentemente por um terremoto e o furação Matthew. Até o momento já foram mais de 2,3 mil mortos e 12 mil feridos.
O evento climático atingiu a área costeira do país distante a 160 quilômetros ,tirando a renda de muitas famílias que vivem da pesca.
Segundo o padre, que possui cinco irmãos morando no país, a localização geográfica do Haiti faz com que a população sofra constantemente com terremotos que grande escala, causando muita destruição. Historicamente o país também sofre com conflitos políticos que perduram desde a independência, marcada pela vitória dos escravos sobre o exército francês que tinha domínio sobre a ilha. “O povo haitiano é muito respeitado e visto como exemplar pela sua luta. Porém, nas ilhas vizinhas, dominadas por ingleses, holandeses e franceses, existe uma torcida para que o país fique em uma situação desfavorável economicamente”, explica Lafortune.
Outro fator prejudicial ao povo haitiano diz respeito às privatizações de serviços básicos no país como a energia elétrica, telefonia, transportes e água, que são controlados por uma elite financeira composta por 14 famílias que, ao mesmo tempo, controlam o abastecimento, a população e impedem o desenvolvimento do país como um todo.
Lafortune acredita que o assassinato do presidente Jovenel Moise esteja relacionado diretamente com a política anti-privatizações que incomodou as maiores empresas do país. “O governo optou por comprar energia da Turquia e rompeu contratos com empresas locais que não garantiam o abastecimento. Isso não agradou a elite. A tensão política entre ministérios e até as forças armadas também foi alimentada com os cortes anunciados, como, por exemplo, auxílios e diárias”. O padre também relata a dificuldade da população em garantir o abastecimento de energia por 24h, pois empresas garantem somente 14h, obrigando muitas vezes o cidadão a investir em geradores fabricados pelas mesmas empresas.
AJUDA HUMANITÁRIA
Num cenário de tensão e crises, o Haiti vem recebendo muita ajuda humanitária, a maioria vinda dos Estados Unidos, fato que gera muita desconfiança entre a população pois o país possui dívidas externas com Fundo Monetário Internacional (FMI). “Hoje o pais está amarrado e dependente destes países. Os empréstimos, com altas taxas de juros que passam dos 30% não possibilitam maiores investimentos, sem contar que a ‘elite’ do país controla boa parte dos negócios e impedem a entrada de novas empresas evitando concorrência no mercado interno e a oferta de novos serviços”, comenta.
Com serviços precários, dificuldades financeiras, cenário desolador, o destino de muitas famílias haitianas que buscam uma vida melhor é a América do Sul. Os países mais procurados são o Brasil, Chile e Equador. Lafortune explica que a migração ocorre, muitas vezes, de forma ilegal pelas fronteiras do Acre, Equador ou Bolívia.
No atual cenário, Lafortune, que é coordenador da Pastoral dos Migrantes da Diocese de Santa Cruz do Sul, afirma que muitos haitianos na região de Arroio do Meio, Encantado e Lajeado, após um tempo no Vale do Taquari, têm optado em retornar ao Haiti ou Estados Unidos para reencontrar familiares.
O principal motivo, segundo ele, é a desvalorização do real em relação ao dólar, cotado atualmente em R$ 5,60. Muitos dos estrangeiros que trabalham aqui fazem transferências internacionais, elevando a cotação para casa dos R$ 7 nas casas de câmbio. “Imagine um haitiano ganhando um salário mínimo de R$ 1.100 tendo que transferir 100 dólares ao mês, já ultrapassa os R$ 700”, calcula Lafortune.
Em contrapartida, o padre enquanto coordenador da pastoral destaca que a Diocese tem acompanhado muitos trabalhadores e orientado os mesmos a fazerem cursos de língua portuguesa e cursos técnicos para que o trabalhador se enquadre em uma categoria salarial e tenha uma remuneração mais elevada.
A pastoral também orienta aos interessados em sair do Brasil, que façam isso de forma organizada e planejada. A recomendação é que um trabalhador tire férias, na medida do possível compre as passagens e visite os familiares haitianos preenchendo requerimentos e vistos na embaixada com a autorização do consulado, cumprindo todos os processos legais. A outra alternativa, também escolhida por muitos, é a entrada ilegal por rotas clandestinas passando por áreas do tráfico internacional e até chegar na fronteira com o México, não é recomendada.
Lafortune está no Brasil desde 2005. Morou no Haiti por 29 anos. Chegou no Rio Grande do Sul por meio da Congregação Oblatos de São Francisco de Sales. No estado, formou-se em teologia na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (Estef) em Porto Alegre e Filosofia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) em São Leopoldo.
Em Capitão, o padre afirma estar se adaptando à rotina calma da cidade e a cultura peculiar das pessoas. Todas as missas presenciais estão sendo retomadas e marcadas antecipadamente nas 12 comunidades pertencentes à paróquia Nossa Senhora do Rosário.